segunda-feira, 11 de abril de 2011

E por falar em saudade...A Brasilite revisitada*


 

“Immigration is a cruel bargain” ( lido em algum lugar)

                                                                                  Júlia Abreu de Souza




Em seu livro “A ignorância”, Milan Kundera explica o significado da palavra nostalgianostos em grego significa regresso, algos, sofrimento. Nostalgia é, portanto, o sofrimento causado pelo desejo não realizado de regressar. Saudade, a nostalgia brasileira, é uma palavra chave da língua portuguesa, talvez de escopo mais específico do que a nostalgia, mas por outro lado, mais abrangente do que do que “homesickness” e “heimwee. A palavra vem do latim “solitate”(solidão). 
Em Portugal, a saudade está intimamente ligada ao povo de navegadores, às histórias das mulheres em compasso de espera. Está nos fados. No Brasil, onde 30 de janeiro é o seu dia oficial, a saudade também deu muitos frutos, a julgar pelos inúmeros poemas e canções onde a palavra é o tema. Nós gostamos do seu som e do significado, e temos inúmeras expressões intraduzíveis tais como matar as saudades, deixar saudades, morrer de saudades, pois isso também é possível. Sabemos de que no período da escravatura no Brasil, os africanos morriam de inanição, apatia, fastio, em suma, de banzo (saudade em bantu, língua angolana).
Pensando e repensando sobre a questão que nos toca a todos, diria que, a grosso modo, os imigrantes podem ser classificados em várias categorias: os que tiveram mesmo que deixar a sua terra por motivos políticos ou econômicos, os seus companheiros e afiliados. Em outra categoria, temos os alternativos, os iludidos, os desiludidos, os apaixonados, os colonizados, os românticos, os vagos, os aventureiros, as minorias sexuais, as maiorias assexuadas, os errantes e aventureiros desta vida. Na realidade, fugiram todos de alguém ou de algo, ou buscam “algo” em outro lugar, eis o traço em comum.
Algum tempo após a imigração, surgem os primeiros achaques e sinais de desajustamentos. Inicia-se um processo de ligeira paranóia e os habitantes do país de imigração, no início tão gentis, interessados, abertos, passam a ser encarados como cretinos, bitolados, racistas, e a Europa parece ser o próprio canto da sereia, após o dito. Mas a coisa não fica por aí. Os imigrados brasileiros, por exemplo, são muito afeitos à “brasilitis”, doença praticamente incurável, ou que, na melhor das hipóteses, deixa sempre as suas mazelas. A brasilite, ou seja, a saudade específica do Brasil, pode, por sua vez, ser dividida em três grandes grupos: as agudas, as crônicas, e as crônica-agudas.
O Brasil, que muitos deixaram por razões obscuras(“a barra estava pesada”, “a grana curta”, “a situação difícil”), passa a ser aquele gigante lindo, ensolarado, acolhedor, mítico, a quem, apesar da eterna crise econômica, podemos recorrer quando estamos mal e sofridos. Recebe-nos sempre de braços abertos, com Cristo e tudo, verde, azul e dourado que é o Brasil, com s cocadas, goiabadas, mães-bentas, babas de moça, quindins, papos de anjo, amor em pedaços, olhos de sogra, feijoadas, vatapás, muquecas, casquinhas de siri, caipirinhas, batidas, enfim, todos os quitutes e iguarias que, quando lá se vivia, talvez não excitassem tanto o paladar nem a imaginação. Mas isto também faz parte do quadro geral da “brasilitis”. Esta pode atacar o nosso imigrado de repente.
 
Ouve-se um velho sambinha do Paulinho da Viola, alguém falando com o sotaque carioca, a evocação de um sabor, um cheiro, um lugar, e a doença instala-se de sopetão, deixando a gente perplexa ante a enormidade do ato desatinado que ousamos praticar: “cair fora”, deixar tudo e todos, e emigrar; abandonar as origens, trocar de língua, negar as raízes para vir aterrissar de cheio em terreno alheio.
No período inicial da imigração, o brasileiro vive fixado na oralidade, isto é,  na língua,  música e comida, os aspectos da cultura que mais preza e que servem de elemento catártico para o sentimento de perda. Quando volta de férias do Brasil, traz 20 quilos de bagagem de mão, com os alimentos digeríveis, legíveis e audíveis da terra natal. A bagagem é muitas vezes armazenada, por muitos e muitos meses: mofa, azeda, é esquecida, vira fetiche, pois quem é que tem “coragem de abrir o pacote de feijão e a garrafa daquela cachaça tão especial?”

Nesta fase, pensa-se com certa nostalgia, em como era generosa, bonita, acolhedora, aquela Europa idealizada lá de longe, onde se vinha “tomar um banho de civilização” e onde se respirava cultura, onde homens e mulheres se respeitavam e se emancipavam, onde ninguém morria de tédio e aborrecimentos e outras baboseiras semelhantes inculcadas pela mitologia colonizadora. O imaginário aprisiona.
Neste período, voltar atrás seria até possível. Porém, na nossa terra, a “situação continua meio complicada”, “as condições são difíceis” e, pelo sim pelo não, fica-se. E criam-se compromissos, laços, amores, os engates e as cadeias desta vida.
Ora, se partir é morrer um pouco, ficar também tem suas implicações. Ficar, sem se marginalizar, significa, em primeira instância, num corte. Significa adotar o ritual dos outros, perder a identidade cultural, a língua, dissolver amizades, laços antigos, entrar em depressões cíclicas, sofrer a perda de algumas partes do “eu”. Às vezes, dentro da sua problemática particular, o imigrante pode tornar-se até “um chato” no seu questionamento, na sua crítica, e no moto contínuo da saudade.
Na imigração, é evidente, não há somente perdas a considerar. Porém, quando a brasilite chega, ninguém tem condições de analisar os ganhos e o possível enriquecimento trazido pela nova experiência. E o somatório de perdas e danos, dos prejuízos e lucros, acaba por deixar o emigrado com algum tique emocional, fazendo com que muitas vezes, até no próprio país se sinta em terra estrangeira, observando tudo com um certo distanciamento, sem “saber  se poderia viver lá para sempre”.
Então, trocando em miúdos, só mesmo imigrante  entende imigrante. Só os que foram ao vento, podem avaliar as barganhas, negociações e permutas feitas durante o percurso. E, portanto, só eles podem pesar na própria balança os achados e perdidos, os proveitos e os prejuízos pessoais obtidos. Parafraseando Pessoa, “navegar é preciso”. Mas totalmente sem riscos não é, certo?


*Júlia Abreu de Souza é cronista, blogueira (uma das criadoras do "Quem vai ao vento...) e autora do livro "Basicursus Portugees van Brazilie:É isso aí! Uitgeverij Coutinho (Bussum).
O livro é referência importante no ensino da língua portuguesa na Holanda.


*Texto publicado no jornal NRC Handelsblad, sábado (12/02/2005), com o título “Varen is noodzakelijk” (Navegar é preciso).



21 comentários:

  1. Julia, o post está maravilhoso com a música e a poesia! Adoro o seu "Brasilite"!!! Bjss. Parabéns às duas!

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  2. Parabens com o novo blog!
    Li esse texto com prazer, mais me sinto um pouco triste agora... É preciso ter coragem para sair do seu país, eu aprecio os imigrantes e a sua bagagem cultural que fazem a minha cidade ainda mais bela.

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  3. Parabens com o novo blog!
    Li esse texto com prazer, mais me sinto um pouco triste agora... É preciso ter coragem para sair do seu país. Eu aprecio os imigrantes e a sua bagagem cultural, que fazem a minha cidade ainda mais bela.

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  4. Oi Julia... matando a saudade dos seus textos! heheh Coloquei seu blog na nossa lista de blogs. Vê lá! ousardizer2011.blogspot.com
    Beijão

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  5. -ME ENCANTÓ TU BLOG
    Creo que expresa los sentimientos no solamente de las brasileñas en el extranjero,.., es un largo proceso.
    FELICITACIONES.
    Decime si querés que haga llegar este comentario a modo público, porque sabés que soy muy inútil en ese sentido.
    Ab. Marta Buenos Aires


    -Gostei muito do texto sobre saudade.Você expressa bem o que é viver longe da terra natal(ainda mais quando se vive numa cultura e língua tão diversa).
    Está de parabéns pelo artigo.
    Beijos,Teresa.

    -"também curti muito!!! encaminhei pra alguns amigos que moram fora!"
    Almir


    -Parabens! Que bonito seu blog! Muito legal! Como vai voce? E como foi em Rio?
    abraço
    Harold Marquenie (Amsterdam)


    -Li texto sobre emigrar, gostei muito!
    Postei um comentário, mais talvez postei duas vezes o mesmo comentário...
    Não sei o que fez exatamente, mais espero que voce pode recuperar.

    Abraço,
    Brancka (A'dam)

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  6. -Muito bom o texto da Brasilite!
    Bea Correa

    -Parabéns pelo blog, meninas!
    Júlia, já conhecia a tua crónica das saudades, mas nunca é de mais ler
    segunda vez, continuo a gostar!
    Um grande abraço,
    Mila( A'dam/ Lisboa)

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  7. Júlia,
    Gostei do novo blog "Quem vai ao vento..". Tomara que muitos brasileiros que estão por esse mundo afora, resolvam contar suas estórias.
    Milena Rio

    Ju,
    Gostei muito. As músicas estão legais. Vcs estão de parabéns.
    Bjs.
    Eleonora(RIO)

    Júlia,
    Dei agora uma olhada. Muito interessante. Beijos entusiastas.
    Nahman (Rio).

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  8. Querida,

    Gostei muito de ter lido o que voce escreveu sobre saudade,estamos aqui para te dar uma forca nesta tua nova aventura.

    Bjos Andrea.

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  9. Júlia,

    Gostei do novo blog "Quem vai ao vento..". Tomara que muitos brasileiros que estão por esse mundo afora, resolvam contar suas estórias.

    Milena Rio

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  10. Ju,

    Gostei muito. As músicas estão legais. Vcs estão de parabéns. Bjs.

    Eleonora(RIO)

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  11. Júlia,

    Dei agora uma olhada. Muito interessante. Beijos entusiastas.

    Nahman (Rio).

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  12. Muito bom o texto da Brasilite!

    Bea Correa

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  13. Parabéns pelo blog, meninas!

    Júlia, já conhecia a tua crónica das saudades, mas nunca é de mais ler segunda vez, continuo a gostar!

    Um grande abraço,

    Mila( A'dam/ Lisboa)

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  14. Me encanto tu blog!

    Creo que expresa los sentimientos no solamente de las brasileñas en el extranjero,.., es un largo proceso.

    Felicitaciones,

    Ab.

    Marta Buenos Aires

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  15. Gostei muito do texto sobre saudade.

    Você expressa bem o que é viver longe da terra natal(ainda mais quando se vive numa cultura e língua tão diversa).

    Está de parabéns pelo artigo.

    Beijos,Teresa.

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  16. Também curti muito!!!

    Encaminhei pra alguns amigos que moram fora!

    Almir

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  17. Parabens!

    Que bonito seu blog! Muito legal! Como vai voce? E como foi em Rio?

    Abraço

    Harold Marquenie (Amsterdam)

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  18. Oi Julia, consegui abrir sua página, querida.
    Está muito bonita.
    Acho que o outro não abria porque no computador do trabalho, eu não tenho acesso a endereços blogspot.
    Gostei muito de ver sua fotinha no blog. Deu pra matar um pouco a saudade de você.
    E por falar em saudade, dá pra sentir o gostinho de saudade de seu post...
    Um grande beijo, querida.
    Lis

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  19. Júlia

    Gostei muito de ver sua fotinha no blog. Deu pra matar um pouco a saudade.
    E por falar em saudade, dá pra sentir o gostinho de saudade de seu post...
    Um grande beijo, querida.

    Lis (Natal/ Rio)

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  20. Parabéns pelo BLOG/ bom para quem mora fora de seu país e bom para se compreender melhor o que é ser imigrante/ afinal concordo que "só mesmo imigrante entende imigrante" e,como tenho parentes e amigos morando fora do país,poderei ver esse processo c/mais clareza//
    sempre imaginei que o pior momento para quem vai morar fora seria qdo vem visitar e são tratados como estrangeiros em sua propria terra/ e, muitas vezes, ficam sôfregos em apreender girias e ditos da moda para sentirem-se "dentro"/ sobre a idealização de seu país, qdo moram longe, lembrei do casal que se separa por incompatibilidade e depois fica lembrando só dos momentos bons/ e bate a saudade/
    Pretendo frequentar o blog, viu, Ju? e já dei a dica pro meu irmao que mora no Panamá/

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  21. Achei muito criativo!

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