terça-feira, 7 de outubro de 2014

Red Light Secrets - Museum of Prostituition


Secrets of the Neighborhood  
por Júlia Abreu de Souza e Margô Dalla
 fotos Margô Dalla

Amsterdã é uma cidade com particularidades únicas; ao mesmo tempo e em algumas circunstâncias, “acende uma vela pra Deus e outra para o diabo” (um ditado português que quer dizer: deve-se precaver dos dois lados, do bem e do mal). Uma irreverência que chega a ser engraçada: no muro da “Oude Kerk” a igreja mais antiga de Amsterdã, há uma placa com a inscrição “Quartier Putain”. É em pleno Red Light District de Amsterdã, bairro boêmio no centro da cidade, que abriga  um dos museus mais excêntricos do mundo. 

Final da primavera da Holanda. O dia está lindo e o Red Light District muito animado. São três da tarde: turistas, moradores, ciclistas e curiosos andam prá lá e prá cá, com mapas em telefones, olhando, procurando, tentando assimilar o que acontece naquele local. Perdidas, diante de tanta movimentação, finalmente damos de cara com  uma casa típica do bairro, estreita, de três andares, com o nome em vermelho. 


 

Na bilheteria, uma simpática recepcionista com uma maquilagem extravagante nos recebe. 

Após a primeira cortina, uma sala de projeção pequena com um filme mostra o cotidiano do bairro:

 

Glória compra uma nova luz vermelha fosforescente para seu quarto, crianças entram nos locais e brincam com os animais de estimação, logo após o expediente, ela namora; antes de começar o batente, se prepara, vai à manicure, arruma o cabelo, compra uma lingerie nova, faz os serviços de lavanderia, umas pessoas entregam papel sanitário, outras, refeições rápidas.


Horários de trabalho, e alguns dados (aproximados) curiosos:
- cerca de 900 prostitutas trabalham diariamente no bairro.
- o bairro tem cerca de 290 prostitutas de vitrine
- cada uma paga cerca de €150 por dia de aluguel pelo quarto onde trabalha.
- em geral, uma visita dura menos de 10 minutos
- há uma rua onde só homens transgênicos trabalham.

A partir do século XV a prostituição se concentra no bairro, nas tabernas freqüentadas por marinheiros. Amsterdã cresce rapidamente. Depois que os espanhóis conquistam a Antuérpia, muitos judeus ricos fogem para Amsterdã e o dinheiro é usado para financiar viagens para as Índias que resultam em grande sucesso comercial. O porto de Amsterdã e a cidade chegam a se confundir, tão grande é a conexão.

Naquela época o exercício da profissão não era proibido, mas, por outro lado, procurar uma prostituta era (a eterna ambivalência holandesa entre a tolerância e a interdição).
A legislação mudou várias vezes e a profissão foi plena e oficialmente legalizada em 2000. A ideia do museu, subsidiado pela instituição Geisha e pelo município, é contribuir para que a prostituição seja encarada como um ofício como qualquer. A rigor, as prostitutas têm que se registrar como tal e pagar impostos. De fato, Geisha zela pelos direitos laborais das profissionais do sexo, pretender ensinar o público a respeitar a profissão (por ex. não tirando fotos na    rua), e visa à criação de um sindicato. Entretanto, na prática a teoria é sempre outra. A ilegalidade continua. 


Outra questão presente e constante na profissão é o tráfico humano. Inúmeros relatórios internacionais e depoimentos de pessoas que conseguem escapar do cerco delatam, desde o aliciamento, ao confisco de passaportes e a introdução de drogas entre as mulheres recém chegadas de várias partes do mundo. E ainda há os chamados “loverboys”, termo usado na Holanda e na Bélgica para um cafetão jovem e sedutor que  manipula garotas (em geral, menores e emocionalmente frágeis), utilizando-as como prostitutas ou como correio de drogas.

Com a entrada de novos países da Europa de Leste para a UE em 2004, o número de trabalhadores de sexo oriundos da região aumentou. Ao que parece, 60 por cento das prostitutas do bairro da luz vermelha vêm do leste europeu trazidas pela pobreza, desemprego e falta de perspectivas futuras. Vêm para a Holanda na crença de que podem ganhar muito dinheiro e depois, voltar. Não contam com a exploração, coerção e violência atrás das janelas.

Em uma sala do Museu, objetos de fetiche: exemplos de parafilias (tipos de comportamento sexual) como celas com correntes, uma espécie de balanço com uma cadeirinha couro, etc e tal.


Estrutura imensa em X  para prender, algemas, chicotes, correntes e outros objetos de fetiche.


Fotos e histórias de prostitutas emolduram as paredes e quartos ambientados com camas, penteadeiras e objetos de uso que compõem um cenário de fantasia com mistura de realidade. Como se ainda houvesse alguém morando naquele espaço acanhado.


Aqui, você está dentro da casa, em frente a uma imensa janela, senta em um banquinho, as pessoas passam lá fora. 


Segundo o depoimento de um funcionário do Ministério da Justiça, uma grande parte da prostituição voluntária é praticada por pessoas (homens e mulheres) que sofreram abuso sexual em criança. 

Um altarzinho com uma velinha acesa e várias fotos de mulheres que foram assassinadas.


“O quarto de trabalho” cama com urso de pelúcia, colcha de metalassê, banheira jacuzzi, ambiente meio escuro e de gosto duvidoso.


Em outras paredes, fotos de pessoas do show business, que se envolveram com prostitutas: Hugh Grant, Ben Afflek, Tiger Woods, Charlie Sheen e Jack Nicholson.  



 Em outro espaço, bilhetes e recados das mulheres…

“Some men want me because they want a girl from Holland. That’s quite sad isn’t it?”
“This job is not for faint hearted. I have become much harder and street wise.”
“I can have sex which all men, but I will never kiss one of them.” 


Caixinhas incrustadas na parede com objetos esquecidos: relógios, chaves, gravatas e, até uma dentadura! 

Alguns textos com histórias de algumas prostitutas.

Pessoas que visitam o Museu fazem confissões e revelam segredos escondidos em um confessionário. Os mais “originais” estão escritos na parede: I’d love to have sex in a train coupé!


Na última sala, uma coleção de lingeries fashion. A designer brinca com a gente, põe uma venda e pede para você sentir os materiais de fetiche, a textura, tamanho…


O Museu da Prostituição é, definitivamente, um lugar de confronto com essa realidade. Faz a gente pensar. Porém, o escopo do museu é básico e simples, está longe de esgotar o assunto. Uns dados apontam entre 20.000 e 30.000 o número de pessoas na Holanda que trabalham em tempo integral na prostituição, porém, estatísticas totalmente confiáveis e exatas a respeito, não há. O estigma e a natureza oculta da prostituição e do tráfico, dificultam o conhecimento exato da sua extensão.

O museu também tem um centro de informação educativa aberto para colegiais.

Maiores informações:
http://www.redlightsecrets.com/