domingo, 17 de abril de 2016

RETRATOS DA DIVERSIDADE

Por Júlia Abreu de Souza e Margô Dalla-Schutte 
Diana Blok é uma mulher com lindos cabelos grisalhos, feições delicadas e intensos olhos azuis. Ela nos recebeu em seu estúdio em Amsterdã em um domingo do outono holandês. A fotógrafa é engajada, consegue enxergar o ser humano em seus diversos movimentos e sabe que a cada um cabe fazer a sua própria escolha. 
Margô, Diana e Júlia em Amsterdã
Foi esse engajamento e olhar que a fez retratar o universo de travestis, transexuais, gays e lésbicas. Da Turquia saiu o primeiro projeto, See Throught Us, exposição e livro, o que também faria no Brasil, com o título Eu te desafio a me amar, em que retrata trans e gays, além de realizar ensaio fotográfico de cross-dressing (vestir-se como o sexo oposto) com nomes conhecidos do grande público na televisão e cinema — está produzindo atualmente o Monólogos de Gênero, que terá fotos e vídeos. 
Diana Blok - Foto Margô Dalla
Nascida no Uruguai, filha de diplomata holandês e mãe argentina, viveu em vários países latino-americanos antes de estabelecer-se em Amsterdã, onde dedica-se à fotografia e é professora. Conheceu o Brasil a primeira vez de passagem para a Colômbia e retornou já adulta para uma residência artística em Salvador, Bahia.
Como chegou ao tema da transexualidade? 
Começou como um processo durante minha carreira, conceitos acumulados, retratos antigos, escolha da orientação sexual e descoberta desse mundo. Sempre foi uma parte do meu trabalho uma busca da diversidade sexual e dos gêneros. Em 2007, discutia-se a inclusão da Turquia na Europa. Foi o primeiro encontro profundo e significativo com o mundo dos transexuais e travestis, comecei a pesquisar como era a situação das pessoas que tinham outras orientações sexuais, tudo que se desviava da fórmula heterossexual. Li um artigo dizendo que na Turquia havia shows de travestis, muitos gays, comparava a vida noturna de Istambul com Berlim e Nova Ior- que. Fiquei curiosa, recortei e guardei. 
Foto Diana Blok "Eu te desafio a me amar"

Depois, soube que uma fundação para as artes holandesa dava subsídios para artistas, tinham uma proposta diferente e fiquei interessada. Eu peguei aquele recorte de jornal e me lembrei de uma fala de Marina Abramovic (artista performática sérvia) quando lhe contei que tinha muitas ideias e ela retrucou: “Eu sei quando tenho que realizar uma ideia, é quando tenho medo dela e a minha pele fica arrepiada”. Expus o meu projeto e fui aprovada por unanimidade.
Foto Diana Blok - "Eu te desafio a me Amar"
Em 2008 foi para a Turquia. 
Sim, eu dava aulas na Academia Real de Artes Visuais, em Haia, e tinha uma estudante turca que me acompanhou como assistente, o que facilitou, porque ela falava turco e já tinha alguns contatos com uma pequena organização LGBT em Ancara. Fizemos uma reunião naquela cidade e apareceram vários tipos de pessoas, gays, lésbicas, transe- xuais, homens, mulheres, gente corajosa vivendo em um país machista onde havia muita repressão. E aí foi o começo. Tive que passar pelo crivo de muitas comissões, ninguém queria uma exposição e falar sobre o tema. Publiquei um livro que foi muito apreciado, o nome é See Through Us.
E aí entrou o Brasil. 
Em 2010, conheci Nayse Lopez diretora do festival Panorama de Dança, baseado no Rio de Janeiro. Eu a conheci em Amsterdã e ela viu o livro da Turquia e me convidou para o festival no Rio onde eles têm um escritório, na Lapa, lugar onde muitas prostitutas/travestis circulam. Ela se inspirou em meu livro da Turquia e sonhou com um projeto onde o mundo dessas pessoas e o nosso fosse mais transparente e integrado. 
Foi a sua introdução ao mundo dos travestis? 
Nós falávamos diretamente sobre o projeto nas ruas da Lapa e uma coisa levava a outra. Conhecemos um porteiro que sabia de um prédio onde moravam travestis, cerca de vinte pessoas, em frente à casa da Luana Muniz, um travesti fa- moso do Rio. 
E o projeto cross-casting com artistas brasileiros? 
Fiz com artistas conhecidos, Camila Pitanga, Mateus Nathergale, Enrique Dias, Bárbara Paz e Iara Pietricovsky, que também é atriz, que se transformavam em personagens, como Luz Del Fuego, Fernando Pessoa, Andy Warhol e Maria Antonieta. O embaixador holandês na época, Kees Rade, casado, com filhos, pediu para ser fotografado retratando Maria da Penha (que inspirou lei para coibir a violência contra a mulher), mas ele era altíssimo, branquíssimo, de olhos azuis, ficou difícil e então escolhi retratá-lo como Virginia Wolf.
Cross-casting - Iara Pietricovsky 
Cross-casting - Embaixador Kees Rade 

Cross-casting - Camila Pitanga 
Cross-casting - Bárbara Paz
O que sente fotografando as pessoas? 
Dialogando. Eu tenho que ter interesse na pessoa fotografada, sentir que posso atravessar certas barreiras. Quero obter um diálogo interior, revelador, baseado na confiança, no respeito pelas pessoas da forma que elas se afirmam, com beleza, mas de um jeito sócio-político, pois no final das contas se trata disso. 
Na exposição “Eu te desafio a me amar” as imagens são fortes e passam certa melancolia. 
É assim, há sempre a solidão do se sentir diferente. Em 2009, eu estava em uma reunião da minha escola secundária, quarenta anos depois, na Guatemala, foi ótimo. Aí um amigo da época, me olhou e disse: “Tu que eras tán linda porque no te casaste? Cabrón!”. Que mundo tão pequeno que ao mesmo tempo te confronta, que mundo! Estou feliz com minha vida mas isso foi um confronto. Não tenho desejo de ser travesti ou transexual, mas os acho incrivelmente corajosos.

* A entrevista com Diana Blok foi publicada originalmente na Revista Caros Amigos.