segunda-feira, 18 de julho de 2011

Imigração Holandesa – Língua de lá e de cá

Dando sequência aos artigos sobre Imigração Holandesa escritos pela jornalista brasileira Mariângela Guimarães, apresentamos nesta semana  "Língua de e de cá." Textos publicados originalmente na Rádio Nederland - Wereldomroep Brasil. Foto reprodução Mariângela Guimarães.

Língua de lá e de cá
por Mariângela Guimarães

Cem anos de imigração holandesa e, passado tanto tempo, a língua corrente entre imigrantes e descendentes em Carambeí, no Paraná, ainda é o holandês. Até os anos 60, praticamente não se ouvia outra língua por ali. E mesmo hoje, os mais novos preferem falar português.
Jacob Vriesman, de 86 anos, filho de um dos primeiros pioneiros, nasceu no Brasil, mas aprendeu o português quando teve que servir o exército. “Na escola se falava um pouco de ‘brasileiro’, mas em casa todos falavam holandês. Aprendi a falar brasileiro no quartel. Na escola, nós tínhamos das 8 às 10 aulas em brasileiro, e das 10 ao meio-dia em holandês, então a gente misturava. E a professora brasileira era alemã, então eu falava mais holandês que brasileiro."
Seu Jacob lembra, inclusive, que muitas vezes eram os brasileiros que moravam na região que acabavam aprendendo holandês. “Alguns tinham empregados que falavam holandês. Os brasileiros é que aprenderam a falar holandês nas chácaras.
Palavrinhas
Annie Bolt, sua esposa, nasceu na Holanda e até hoje procura ensinar um pouco da língua materna para os netos e bisnetos: “Algumas palavrinhas eles entendem em holandês. Desde pequenininhos eu falo com eles assim. E eles aprendem rápido. Quando chegamos ao Brasil, meu irmãozinho, Joãozinho, em dois meses conversava com os amiguinhos em português. A gente não entendia nada, mas ele sim.
Doutje Dijkstra, que emigrou para o Brasil aos 4 anos de idade, não guardou nem mesmo o sotaque, embora até hoje fale holandês em família. Mas nos primeiros tempos, também teve alguma dificuldade com o idioma. “Na escola, na aula, tínhamos que falar o português, mas entre nós era o holandês. A professora sempre chamava a atenção, mas era muito difícil pra gente, porque o holandês era a língua falada.

Quem é mais brasileiro?
O professor Hendrik Sijpkes, conhecido por todos em Carambeí como ‘meester’ palavra que significa mestre em holandês -, também se lembra que quando chegou ao Brasil, todos falavam holandês na região. “Eram holandeses. Mesmo os brasileiros falavam holandês aqui, em 1961. Mas em dez anos mudou completamente de holandês para português.
Sijpkes sempre falou holandês com seus filhos, para que aprendessem o idioma de seu país natal, mas na escola, fazia questão de ser visto como brasileiro: “Eu brigava sempre com os alunos que diziam ‘holandês’. Eu dizia ‘meu rapazinho, você tem dez anos. Eu estou 40 anos no Brasil. Quem é mais brasileiro, eu ou você?’”

Comunidade
fechada
Carlos Verschoor, que é da terceira geração de holandeses em Carambeí, conta que também aprendeu o português quando foi para a escola. “Até os meus cinco anos eu não sabia falar português. Nós morávamos aqui na colônia e tudo era em holandês. Você ia para o culto, era em holandês, para a escola dominical, era tudo em holandês. Aí, por motivo de trabalho do meu pai, fomos morar em Ponta Grossa, e foi uma grande dificuldade pra nós no começo, porque era tudo diferente. Aqui a gente vivia numa comunidade fechada, tínhamos uma cultura rígida, uma cultura bem evangélica, e fomos estudar numa escola de freiras, então víamos coisas que nunca tínhamos visto antes.
Com a mudança da família, a língua holandesa também ficou para trás. “Não falávamos mais holandês em casa justamente porque morávamos em Ponta Grossa. Todos os nossos amigos, a escola, tudo era em Ponta Grossa, então era em português. Enquanto nossos primos que moravam em Carambeí ainda falavam holandês.

Exigência
Willemke Struiving, conhecida pelo apelido de Panoka, aprendeu o holandês na marra, por exigência do pai. “Nós somos uma família de oito, com o pai e a mãe dez. E antigamente, quando a gente almoçava junto, meu pai dizia ‘Hollandse praten of hou je mond’. Era uma exigência dele falar o holandês. Todo mundo ficava quieto, mas todos nós sabemos falar holandês.
E embora também quisesse passar a língua para seus filhos, hoje com 19 e 18 anos, Panoka não conseguiu ser tão rígida como seu pai. “A língua, infelizmente nós não conseguimos passar. Tanto Gijs, meu marido, como eu falamos holandês, mas nós começávamos a falar holandês com eles e terminávamos com o português. Infelizmente eles não sabem falar holandês. entendem quando nós falamos mal deles”, brinca. “Aí eles captam alguma coisa.
A língua em transformação
Com o tempo, o holandês falado em Carambeí foi se transformando e ganhando influência em português. com isso, surgiram novas palavras e expressões. Alguns exemplos:
Português
caminhão
palanque
Ponta Grossa
banhado
carroça
oficina
portão
gravar
tocar o gado
telefonar
silagem
praia
clubinho
puxa vida
lutar
namorar
relogio
estudar
caboclo
cadeia
empobrecer
embreagem
polia
cerca
eles
ônibus
jogar
Carambeiano
caminjon
palanck
Ponte Gross
banhade
kaross
oficine
perton
graveren
koeie tokke
telefoneren
silage
praie
kluppie
poetje vide
loeteren
namoreren
relogie
studeren
kaboekel
kadee
verkaboekelen
embriagi
pulie
sirk
heulie
ónibus
gooien



Holandês
vrachtwagen
tribune
moeras
kar
garage
poort
opnemen/afdrukken
koeien opdrijven
bellen
kuilvoer
strand
clubje
tjeetje
vechten
vrijen
horloge
leren
halfbloed
gevangenis
verpauperen
drijfwerk
katrol
hek
hen
bus
spelen



domingo, 3 de julho de 2011

Imigração holandesa – A travessia

Continuamos a publicar os artigos escritos pela jornalista brasileira Mariângela Guimarães sobre a imigração holandesa. Nesta semana, o tema é "A travessia." 
A travessia
Mariângela Guimarães
“Nós chegamos aqui no começo de 1947, logo após a guerra. Meu pai veio com as vacas e tudo no navio. Fiquei enjoada a viagem inteira, com a minha mãe. Nós duas, de cama. Tinha 4 anos, mas isso eu lembro porque marcou muito. Mandavam a gente comer rookvlees carne salgada - pra não desidratar. Finalmente chegamos no Brasil e fomos para a Ilha das Flores, onde ficamos uma semana de quarentena.
Quem conta esta história é Doutje Dijkstra. Apesar da pouca idade na época, a lembrança da travessia da Holanda para o Brasil ainda é vívida.
A viagem difícil também marcou Annie Bolt, que deixou Hamstede, na província holandesa de Zeeland, em 1950, partindo do porto de Antuérpia, na Bélgica, para o distante e desconhecido Brasil.
“Vim em 1950, com minha família - papai, mamãe e meus irmãos. Uma viagem muito longa, de seis semanas, até Porto alegre, Rio Grande do Sul. O navio era um navio cargueiro e parava em tudo que é porto no litoral do Brasil e a gente sofria muitos enjôos. Ficamos 7 anos morando em Rio Grande, sofrendo. A gente se mudou seis vezes, de uma fazenda pra outra, até chegar em Carambeí.

O
terror da guerra
A dura travessia de navio e as muitas dificuldades dos primeiros anos no Brasil eram enfrentadas com coragem. Para os imigrantes holandeses que chegaram ao Brasil no final dos anos 40, início dos anos 50, ficava para trás o terror da Segunda Guerra Mundial.

“A gente morava perto do aeroporto e costumavam jogar bombas . Estragaram a lavoura, a nossa casa. E papai resolveu emigrar”, lembra Annie Bolt, hoje com 77 anos. “Todos nós achávamos muito errado esta ideia, mas a gente teve que acostumar. A gente não falava português, não gostava da comida. A gente estranhava muito o arroz e feijão. Acho que mamãe não sabia preparar bem, porque feijão e arroz é gostoso, né? Ninguém queria comer. Papai então resolveu fazer uma coisa: ele pegava nosso prato e colocava um feijãozinho pra começar, no dia seguinte dois, e assim foi indo. Dali uns dias mamãe não cozinhou arroz e feijão e todo mundo reclamava. Todos queriam comer arroz e feijão.

Nova
dieta e velhos costumes
A dieta dos imigrantes holandeses com o tempo mudou e se abrasileirou, mas alguns costumes se mantiveram. O cafezinho às 10 da manhã, o café da tarde com bolachinhas ou bolo, e na casa de Annie Bolt, batatas com ‘appelmoes’ (uma espécie de purê de maçã) aos domingos.
A comida é também uma das primeiras lembranças marcantes que Doutje Dijkstra tem do Brasil, ainda do período de quarentena na Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.
Ancoradouro e prédio da hospedaria de imigrantes da Ilha das flores.

“Lá nós tínhamos que comer feijão e arroz. O feijão era preto, o prato ficava todo sujo de feijão. Nós, as crianças, a gente gostava, se deliciava. Mas as minhas primas, que tinham 20 e tantos anos, olhavam com cara feia para o prato e diziam: ‘eu queria batatas’.
A outra travessia
Nos primeiros tempos de Brasil, a saudade da Holanda e de tudo o que tinham deixado também era muito presente.
“Não é bem saudades, mas a gente ficava comparando tudo. Na Holanda é assim, aqui é assim. Até hoje não esqueci tudo. A gente pode morar cem anos aqui, mas não esquece o país de origem né?”, comenta Annie.

Depois de de estarem vivendo no Brasil por mais de 30 anos, tanto Annie como Doutje voltaram à Holanda a passeio. Ambas estranharam muito o país:
“Eu fui duas vezes. Uma vez com Jacob (seu marido) e mamãe, e a segunda vez com minha irmã gêmea. Sabe de uma coisa, estranhei bastante. Não sei, são outros costumes, até falam diferente, com mais palavras em inglês”, observa Annie.
“A primeira vez que eu voltei pra Holanda, em 1982, perguntava as coisas para as pessoas em holandês, porque eu falava bem, e eu perguntei a um homem: Este trem vai para Leeuwarden? ‘A senhora não saber ler?’, e o homem foi correndo embora. Então, estas lembranças da Holanda não são muito boas. Eu estranhei a diferença. Porque aqui a gente pergunta e as pessoas são sempre hospitaleiras, dão atenção, sorriem. O povo brasileiro é mais alegre”, diz Doutje. “Eu sempre falo: eu sou brasileira. Nasci e é também. Porque me criei aqui, eu me sinto brasileira.
• Esses artigos foram escritos originalmente para a Rádio Nederland Wereldomroep/Brasil.  Fotos arquivo da Rádio e reproduções Mariângela Guimarães.