sábado, 13 de dezembro de 2014

Escrever é preciso...

por Júlia Abreu de Souza



O filósofo francês Jules Renard traduziu em poucas palavras a enorme vantagem de escrever, especialmente agora, quando todos falam muito, mas não sabem ouvir: “escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido”. 

Depois que emigrei, cada viagem ao Brasil era um reencontro feliz com a minha língua. Sei que o domínio de um idioma estrangeiro jamais poderá repor o valor emocional da língua materna, já que esta tem a ver com ”vastas emoções e pensamentos imperfeitos”, com a nossa identidade pessoal e cultural, enfim o inconsciente nacional coletivo.


Então, com a eterna mania de escrevinhar, e para compensar a falta que sentia da nossa bela íngua portuguesa, tão rica, doce, musical, procurei formas de expressá-la mais assiduamente. Escrevi colunas para a seção brasileira da Radio Netherlands Worldline (Wereld Omroep) e outros; algumas dessas chegaram a ser publicadas em jornais holandeses. Há anos, um texto meu, “Brasilite” (saudades do Brasil) ficou conhecido entre os brasileiros daqui e saiu no NRC como “Varen is noodzakelijk”, ou seja: Navegar é preciso. No momento, coordeno um grupo de cronistas na internet; no Brasil, frequento grupos voltados para língua e literatura, onde passo horas de enlevo viajando no espaço e na liberdade que só o Português me permite, e de onde saio me sentindo mais alegre e rica. Parafraseando, chegaria a dizer que... escrever é preciso. 
Afinal, o próprio Saramago afirmou: somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não”.


Portanto, fiquei feliz com a oportunidade de dar uma oficina de escrita criativa em Amsterdam, para os falantes da língua portuguesa, organizada por Cláudia Maoli e Carlos Lagoeiro, diretores da Casa Munganga. Confesso que também saí de lá mais e alegre e rica. No ambiente aconchegante da Casa, através de diversos exercícios propostos, foi um prazer ouvir pensamentos, textos enxutos e bem formulados partindo de gente que gosta de manter e cultivar a língua. Gostaríamos de partilhar alguns deles com vocês. No caso, o exercício proposto era continuar escrevendo sem parar, alguns parágrafos a partir da nossa deixa inicial-, emigrar é...

Aqui abaixo o jeito de cada participante expressar esta vivência.

Obrigada, Laís, Shanti Luz, Maria do Carmo, Elaine, Cissa, Leila, Aninhas e Lúcio.

Emigrar/imigrar é...


Emigrar é saber da imprecisão do verbo. Cruzar oceanos, alçar voo, subir os olhos diante de outros campos não terá nunca algum nome de fácil cognição. Procurar definições quando nem mesmo nossa língua pode oferecer a resposta e a ferramenta dos dias é inútil. Muito mais válido é esquecer conceitos, despir-se de frases, perder o sujeito, não carregar qualquer predicado. Talvez, ainda se possa valer da vírgula, fazer pausas, enumerar ações e tentar ordenar com letras aquilo que talvez nos falte aos dias e à experiência sensível tão distante que nos habitava a pele. Em pequenas pausas, pode-se, assim, perceber aquilo que ainda permanece universal: ainda em terra estrangeira, o ar é o mesmo e cumpre o mesmo papel no corpo. Mesmo que, ao nosso redor, ele pareça mais frio.

Laís Ferreira - Belo Horizonte/Brasil

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Emigrar é vontade do novo, saudade de casa; tudo junto, misturado, marcado e velado. Sinto falta do canto dos meus pássaros, do cheiro da minha grama, do verde das minhas árvores, do azul do meu céu. Sim, porque lá é tudo meu. Aqui não. Aqui é emprestado, disfarçado, molhado, acinzentado, e um tanto quanto calado. 
Também sinto amor. Mas é um amor não dado.

Shanti Luz - Porto Alegre/Brasil

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Imigrar é seguir o teu caminho na hora em que é isso mesmo a única escolha.Partir pensando que vai ser curta a ausência.
Seguir o teu amor que a juventude faz irresistível e mais importante que tudo.
Depois, quando tanta coisa é diferente e estranha, na hora que chega sempre quase logo, o momento da saudade, vem o chamar da raiz, que na realidade levas contigo sempre,onde quer que os teus passos leves e felizes ou pesados e tristes te façam chegar.

E aí, no momento e no lugar de chegada, sou eu que estou. Ou não sou?

Quem sabe…     

Maria  do  Carmo Lereno - O Porto/Portugal

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Emigrar é difícil. É um saco esse negócio de começar tudo de novo. Não que eu tenha problemas com aprender coisas novas, recomeçar, me reinventar. Até porque a vida é assim mesmo. Mas emigrar é doído. Perdemos todas as certezas, toda referência. Por exemplo, não tenho mais... esqueci a palavra. Nossa, esqueci uma palavra importante do meu texto. Do meu texto em português! O português costumava ser minha língua e na qual eu costumava ser mais que fluente e escrevia tão bem e corretamente! Isto é doído. A minha mãe é fera no português, sabe gramática e escreve poemas. Mãe também é referência. Deve ser por isto que o Caetano diz "minha pátria é minha língua". E minha pátria agora qual é? Falo português, inglês, holandês e enrolo no espanhol. Até entendo um pouco de francês e alemão. A minha pátria não é mais a minha língua. Não vou cair no clichê de dizer que é o mundo. Eu sou do mundo, que coisa mais estranha. Eu sou da cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, no Brasil. Eu quero ter uma pátria, eu sinto saudades das certezas, da gramática e do estilo...

Elaine Pettersen Morais - Belo Horizonte/Brasil

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Emigrar é: deixar, ou achar que deixou suas raízes. Também criar outras que vão te dando muito prazer, porque você se identifica, saboreia, sorri, chora de felicidade. E decide por vários motivos que ali vai ser o seu lugar, embora volta e meia, paire a dúvida se a escolha foi certa ou não...Naqueles momentos de vontade de estar no lugar onde você cresceu, principalmente quando vai ficando tudo cinza por aqui.
E o tempo passa tão depressa...
Que então o mais saudável é pensar em tentar tirar o que há de melhor de tudo isso. 
Dos momentos passados com os amigos, dos silêncios, das diferentes belezas, de sorrir para tirar a cara sisuda das pessoas, e principalmente de que somos diferentes. E que todos deveríamos ter essa experiência, que particularmente acho uma deliciosa e arriscada loucura!!

Cissa Fonseca - São Paulo/Brasil

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Emigrar é uma grande viagem, que às vezes é de ida e volta e às vezes apenas de ida. Emigrar é deixar para trás raízes que já estão brotando para recomeçar uma nova vida em um país desconhecido e mergulhar em uma grande aventura. É passar por períodos de adaptações em várias fases dessa viagem. Emigrar é valorizar novos aspectos, reconhecer diferentes formas de culturas e sobretudo, respeitar e aceitar. Emigrar é conhecer e explorar pontos positivos e negativos e se adaptar abrangendo horizontes. Emigrar é enriquecedor mas pode também, trazer dor, a dor da saudade, da família, dos amigos ou até do calor. Emigrar é perder, ganhar e integrar. Emigrar é se apaixonar e não querer/ poder mais voltar.

Leila Galheiro - Goiânia/Brasil

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Emigrar é partir, 
Emigrar é ficar, mas... 
Emigrar também é Olhar, Absorver, Sentir, Gostar e Amar! 
Emigrar Sou Eu, 
Emigrar És Tu, 
Emigrar Somos Nós.... 
Emigrar é como a lua, 
Umas vezes crescente, 
Outras minguante, cheia e nova. 
Não sei o que é Emigrar, 
Sei sim, o que é sair e pousar num outro espaço, 
Numa outra realidade, num outro Ser. 
E (re) transformar-me. 
Saio, fico, vou e venho. 

Será que E M I G R A R é tudo isso??!! 

Aninhas - Évora/Portugal

*A foto da cronista Júlia Abreu de Souza é do fotógrafo Marlio da Silva. As outras fotos que ilustram o texto foram extraídas da internet.