segunda-feira, 25 de maio de 2015

Sou paraense, sou papa-chibé!


por Jerusa Nina


Quando desço do avião em Belém, um forte sentimento que me aflora a assim que bato os olhos nos anúncios dos pontos turísticos é: “estou em casa”. Não que o Rio de Janeiro também não seja meu lar. Depois de tantos anos até poderia parecer ingratidão com a cidade maravilhosa, a qual amo de paixão.

Foto Margô Dalla
Belém - Foto Margô Dalla

Acontece que quando chego ao aeroporto da cidade onde nasci e fui criada, tenho a mesma sensação que muitos de nós nutrimos pela casa de nossos pais depois que casamos. Aquele saudosismo que nos dá a certeza de que sempre seremos bem-vindos.

Como todo paraense que vive fora do Pará, morro de saudade da minha comida regional. Sinto falta de degustar um Tacacá bem quente às cinco da tarde, de tomar um açaí com farinha de tapioca logo depois do almoço e de dormir na rede, para completar.

Sinto saudade da maniçoba, do caruru, do vatapá, dos variados sorvetes da Cairu e da pupunha melada na manteiga comida quente com o café com leite da tarde. Não precisa de pão.

Mangal em Belém - Foto Margô Dalla

As garças e flamingos do Mangal - Foto Margô Dalla



E vou além, se fecho os olhos já faço uma lista de todas as maravilhas. Sentir o cheiro da chuva das 15 horas, molhando o asfalto fervente, abrindo alas para o vento da Bahia do Guajará. E ver as garças voando do Mangal para a Praça Batista Campos, passando a poucos metros de nossas janelas em prédios arranha-céu. E todo este espetáculo sob o por do sol maravilhoso em seu tom vermelho amarelado.

Foto Margô Dalla
Até poderia parar por aí, mas como não mencionar os vários túneis de mangueiras centenárias que ladeiam as ruas, dando brilho aos casarões antigos da época áurea da borracha? Como se não bastasse, essas mesmas árvores nos premiam com seus frutos, precipitando suas sortes sobre nossas cabeças. Como catei manga na volta da escola, para comer com farinha d’água em casa...

Belém, a cidade que conta com seu vocabulário próprio, do “égua; te mete, mano; pior que é; vai nessa; tá, cheiroso; só porque tu queres; eras; tu alopras; olha já” e de tantas outras expressões que só quem é da terra vai saber dar a entonação correta nesta leitura. E fico triste por eu mesma já não ter o sotaque genuíno, involuntariamente perdido no meu falar.

Só tem lá, o pastel folheado crocante e quentinho, em forma de triângulo e com generoso recheio de queijo. Só lá, tomei refrigerante em saquinho com canudinho, para que o vendedor cauteloso não tivesse a garrafa de vidro quebrada nas décadas de 80 e 90. E, agora, mais ainda, só lá, vi abacatada (vitamina de abacate) ser vendida em aquários no ver-o-peso. 

Mercado de Ver-o-Peso - Foto Margô Dalla

Aquário mesmo, daqueles de vidro que se criam peixes em casa. Docinho de uva, com a própria fruta envolvida em um creme verde com açúcar que me leva as moedas embora. Casadinho, a parte preta e a parte branca. Sempre refleti sobre quem seria o marido, quem seria a mulher. 

Monteiro Lopes, banhado com Nescau em uma camada doce de trigo assado. Se eu fechar os olhos, consigo sentir o sabor de todos eles. E para trazer no corpo a marca da minha origem, para sobreviver a mais um momento de distância, sempre compro os perfumes, cujas fórmulas me são conterrâneas. A fábrica nem é mais a mesma. Até os nomes dos perfumes mudaram, mas teimo em procurar (e sempre encontro) pelo Matinal e pelo Naturele da antiga Phebo, porque eles me trazem um elo forte da infância: minha bisavó.

As essências do Pará no Mercado de Ver-o-Peso - Foto Margô Dalla

Quando estou em Belém, como de tudo, cheiro de tudo e vejo de tudo. E quando venho embora, fico com a alma repleta de vontade de logo voltar.


Sou paraense, sou papa-chibé.

*Jerusa Nina - é advogada, estudou Música e Direito, acaba de lançar seu livro “ O Piano” pela editora Giostri no Teatro dos 4 –Rio. Faz parte da Roda de Escrevinhadores.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

As blogueiras Júlia Abreu de Souza e Margô Dalla - foto Marlio da Silva

Bahia, mon amour!

By Ana-Cristina Palacky

Para aqueles/as que tiveram o privilégio e a graça de terem nascido na Bahia!

Bahia  melosa,   amarga,  agridoce, I love you.
Laranjas suculentas de Cruz das Almas, laranja  de umbigo, laranja-cravo, laranja-lima, laranja-Bahia. O vapor de Cachoeira que há muito deixou de navegar. 
O Paraguaçu morrendo a cada verão. 
Os burrinhos carregando  carvão e  água,  subindo/descendo as ladeiras, de minha infância, em Catú.

Araçás  vermelhos e brancos ,  groselhas,  carambolas,  romãs amores,  pitangas encarnadas,  genipapos,  jaboticabas violetas,  fruta do conde, jaca mole, jaca dura, sapotis, manga rosa, Carlota,  espada e a coleção de bananas – maçã, da terra, da prata, d’água, de São Tomé, nanica. 
Feira de Água de Meninos, nas sexta-feiras, paraíso visual. Trançados das cestas, peneiras, abanadores e bocapius de palha de Cipó, dos tempos das caldas e de lugar de lua- de-mel. Cerâmica vermelha e preta, vaquinhas,  boizinhos, terrinas  de Maragogipinho. Farinha, das mais finas e tapioca  de Nazaré das Farinhas,  pintura  nativa de Didito -  arte de Coqueiros de Nagé.
Areias coloridas das margens da cachoeira de Lençóis, das lagoas do Chapadão, das trilhas verdejantes do Capão, e  do casario de Rio de Contas.
A catinga sêca de  Uauá , o Raso da Catarina, terra rachada, de cactos, umbús, cajás, tamarindos, mangabas e ingás,  por onde passaram  Lampião e  Maria Bonita ,  evocações  futurísticas do Conselheiro.
Rapaduras e  doce  de  buriti de Jacobina.  Tabletes de doce de leite e  compoteiras  de dulcíssima ambrosia. Remanso e Casa Nova dos penitentes ensaguentados  e mal–assombrados no martírio anual da Paixão.
Ilhéus, e a  saga do cacau,  de Gabriela,  cravo, canela, pimenta e cuminho.  Cidade rica que virou pobre.
São João no Recôncavo, fogueiras, fogos, canjicas, munguzás, bolos de puba, milho  e de aipim, pés de moleque, quebra-queixo, cocadinhas ,  quindins,  pamonhas, cuscuz  e licor de maracujá. Fogueiras no largo de Cruz das Almas e  rodopios caipiras ao som do baião.
Flores brancas de manacá. Acácias  rosadas anunciando o verão, lilases do jacarandá. Buquês de rosa-menina para adornar o mais bonito altar da doce Maria.
Reisados de Muritiba. Proscisssões  ibéricas e chorosas do  Encontro e da Paixão, dos padroeiros e padroeiras com mimosos anjinhos em rosa e azul. Novenas de rezas de terço, cantadas e esperadas,  entre as chuvinhas e os aguaçeiros de maio.
Salvador e seus feitiços, Pelourinho e suas artes, de pinturas a capoeira, dos blocos de folia, da benção do Olodum, de ladeiras, becos,  calçadões. De bahianas vestidas de branco em extinção, por desuso ou conversão.
Saudades do luar em Busca Vida, das serestas em Abaeté,clara e escura,onde se trocavam chamegos e  afeições.
Avenida Sete, hoje, camelôs e  animação.  Avenida Sete, você  tem lugar cativo no meu coração.
Restaurante Granada, onde se fazia o melhor cozido da praça, onde o couve, o repolho, a abóbora, a cenoura, o maxixe, a banana da terra, o chuchu e  o quiabo  se confundiam e se abraçavam em gostos e cores na companhia  de  gorduroso pirão.
Os acarajés, abarás,  vatapás,  efós, galinhade xinxim, carurú  de preceito e pedidos a  Cosme, Damião e Doú.
Rua Direita de Santo Antonio, onde passavam em diária procissão, leiteiros, verdureiros, sorveteiros, taboqueiros, baleiros, padeiros, aguadeiros. Rua das janeleiras e da Festa do Espírito Santo. O  bonde passava e espiava o primeiro amor, alto, magro, desengoçado, que se chamava Chicão.
Bahia mestiça,  erudita, metida e artística. De caboclos, pardos, pretos, mulatos, morenos.  Indígena, afro, portuguesa, pintada e matizada. Bahia de todas as cores, que se somaram, multiplicaram,  dividiram e daí  nasceu o bahiano. Da gema e  da clara do ovo.
Bahiano,  impulsivo, assanhado,  violento, crente e descrente,  dançarino,  escritor, orador, poeta e  cantor. Matreiro, festeiro, cabreiro.
Castro Alves,   sonhador,   escreveu em  versos a diáspora  que começou na África , atravessou o Atlântico e terminou na Bahia,  dos  gritos dos porões dos navios negreiros, das  senzalas e da imensa dor da escravidão. Bahia de   tabús,  santos, deuses, deusas, rituais. De crenças únicas e plurais,  sagradas e profanas, de  igrejas e  terreiros que sempre  batem às sextas-feiras.
Bahia injusta com o seu povo, aquele  que se esconde nos morros, nas palafitas aterradas, dos  pipocas do carnaval,  dos sem teto, dos sem terra, dos diferentes, dos esquecidos, dos dissidentes, dos amedrontados, dos maltrapilhos.
Na Bahia desigual,  vi a mais azul das luas azuis,  a  sedução da dança sacro-erótica dos terreiros de candomblé,  os atabaques do Olodum,  o Culto dos Eguns,   cheio de mistério e proibições, o  trio elétrico de Osmar e  Dodó tocando e  a galera cantando e dançando,  o sol laranja-dourado  do Porto da Barra, os torsos tostados mais sensuais do  planeta  e  a doçura morena dos  gestos amorosos.



*Ana-Cristina Palacky, nasceu  em Cruz das Almas e estudou em Salvador ( Bahia), gosta de arte, prosa, poesia e viajar pelo mundo. Burocrata. Atualmente vive em Viena. 
*Fotos Margô Dalla

Copyright 2015, Ana-Cristina Palacky




sábado, 25 de abril de 2015

Imigrar

Crônica poética de Euler Rocha que fala sobre o sentimento de um imigrante.



IMIGRAR

Imigrar é se desapegar.

É se lançar...

É conhecer culturas…

Novas aventuras...

Totalmente desprotegido se jogar ao desconhecido.

É calejar de saudade...

E pedir de caneca, gestos de bondade.

Romper com raízes...

E criar cicatrizes.

É chegar desprevenido a mercê de bandidos.

Confiar no desconhecido que logo te tornas arrependido.

Receber sorrisos e de início acreditar que são verdadeiros abraços...

E mais tarde perceber que são totalmente falsos.

Viver na insegurança de um futuro que de real só há a esperança.

É ir e voltar em eternas despedidas, que te faz refém dar idas e vindas.

É sofrer da Síndrome do Aeroporto, da qual os sintomas passam por dor no peito, taquicardia, lacrimejamento, arrependimento, dúvidas, inseguranças, vontade de ficar, vontade de voltar.

É abraçar os mais velhos na despedida

E não saber se ainda os veremos com vida.

Imigrar para uns é sofrer, para outros é vencer.

Para os que sofrem em demasia, imigrar passa a significar prisão, escravidão.

Vira mesmo uma patologia, uma enfermidade…

Que a cura está no voltar ao seu país, à sua cidade.

Para os que vencem imigrar às vezes é meio dúbio; uma mescla de vitória merecida com a alma dividida.

Não há ao seu redor um amigo de infância…

Não há como partilhar as lembranças de criança.

A pergunta: "Está valendo a pena?" é uma constante neste tema.

Conclusões a parte, imigrar é fazer valer.

Vencendo ou perdendo, é fazer do perder um novo saber.

É ser o ator principal de uma peça apresentada no estrangeiro,

Onde ninguém lhe entende,

Mas você se faz presente.

É formar guetos,

porque é o jeito!

É buscar calor…

É fugir da dor…

E no meio dos novos amigos, até nos sentimos queridos.

Senão morremos de solidão…

Senão vivemos em solidão.

Passamos a ter um sentimento agridoce…

O doce e o salgado se misturam num coração dividido, que sente os dois sabores despendidos.

A vida tem um ponto onde foi bifurcada, onde pegamos o caminho que sai do caminho.

O curso natural é mudado e criamos um novo caminho, onde não ficam pegadas marcadas no chão, porque é um caminho de solo duro, que na maioria das vezes não conseguimos voltar, porque não há pegadas, que indiquem o caminho de volta.

Imigrar é  transpor um oceano de dificuldades …e chegar em uma terra nova com um futuro sem muita especificidade.

Enfim, imigrar é sair de si mesmo, para mais tarde tentar se reencontrar…

É se desacomodar, para mais tarde achar algo mais cômodo…

É buscar um novo mundo e fazer dele o seu próprio mundo.

Com perdas e ganhos…

Com encontros e desencontros…

Tropeçando, caindo e levantando…

E o mais importante, é o não desistir e sim o persistir rumo ao objetivo fixado, ao sonho idealizado.

*Euler Rocha é brasileiro/poeta/dentista e mora em Amsterdã. Esse poema é de 2013.

*Foto arquivo do autor.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Escrever é preciso...

por Júlia Abreu de Souza



O filósofo francês Jules Renard traduziu em poucas palavras a enorme vantagem de escrever, especialmente agora, quando todos falam muito, mas não sabem ouvir: “escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido”. 

Depois que emigrei, cada viagem ao Brasil era um reencontro feliz com a minha língua. Sei que o domínio de um idioma estrangeiro jamais poderá repor o valor emocional da língua materna, já que esta tem a ver com ”vastas emoções e pensamentos imperfeitos”, com a nossa identidade pessoal e cultural, enfim o inconsciente nacional coletivo.


Então, com a eterna mania de escrevinhar, e para compensar a falta que sentia da nossa bela íngua portuguesa, tão rica, doce, musical, procurei formas de expressá-la mais assiduamente. Escrevi colunas para a seção brasileira da Radio Netherlands Worldline (Wereld Omroep) e outros; algumas dessas chegaram a ser publicadas em jornais holandeses. Há anos, um texto meu, “Brasilite” (saudades do Brasil) ficou conhecido entre os brasileiros daqui e saiu no NRC como “Varen is noodzakelijk”, ou seja: Navegar é preciso. No momento, coordeno um grupo de cronistas na internet; no Brasil, frequento grupos voltados para língua e literatura, onde passo horas de enlevo viajando no espaço e na liberdade que só o Português me permite, e de onde saio me sentindo mais alegre e rica. Parafraseando, chegaria a dizer que... escrever é preciso. 
Afinal, o próprio Saramago afirmou: somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não”.


Portanto, fiquei feliz com a oportunidade de dar uma oficina de escrita criativa em Amsterdam, para os falantes da língua portuguesa, organizada por Cláudia Maoli e Carlos Lagoeiro, diretores da Casa Munganga. Confesso que também saí de lá mais e alegre e rica. No ambiente aconchegante da Casa, através de diversos exercícios propostos, foi um prazer ouvir pensamentos, textos enxutos e bem formulados partindo de gente que gosta de manter e cultivar a língua. Gostaríamos de partilhar alguns deles com vocês. No caso, o exercício proposto era continuar escrevendo sem parar, alguns parágrafos a partir da nossa deixa inicial-, emigrar é...

Aqui abaixo o jeito de cada participante expressar esta vivência.

Obrigada, Laís, Shanti Luz, Maria do Carmo, Elaine, Cissa, Leila, Aninhas e Lúcio.

Emigrar/imigrar é...


Emigrar é saber da imprecisão do verbo. Cruzar oceanos, alçar voo, subir os olhos diante de outros campos não terá nunca algum nome de fácil cognição. Procurar definições quando nem mesmo nossa língua pode oferecer a resposta e a ferramenta dos dias é inútil. Muito mais válido é esquecer conceitos, despir-se de frases, perder o sujeito, não carregar qualquer predicado. Talvez, ainda se possa valer da vírgula, fazer pausas, enumerar ações e tentar ordenar com letras aquilo que talvez nos falte aos dias e à experiência sensível tão distante que nos habitava a pele. Em pequenas pausas, pode-se, assim, perceber aquilo que ainda permanece universal: ainda em terra estrangeira, o ar é o mesmo e cumpre o mesmo papel no corpo. Mesmo que, ao nosso redor, ele pareça mais frio.

Laís Ferreira - Belo Horizonte/Brasil

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Emigrar é vontade do novo, saudade de casa; tudo junto, misturado, marcado e velado. Sinto falta do canto dos meus pássaros, do cheiro da minha grama, do verde das minhas árvores, do azul do meu céu. Sim, porque lá é tudo meu. Aqui não. Aqui é emprestado, disfarçado, molhado, acinzentado, e um tanto quanto calado. 
Também sinto amor. Mas é um amor não dado.

Shanti Luz - Porto Alegre/Brasil

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Imigrar é seguir o teu caminho na hora em que é isso mesmo a única escolha.Partir pensando que vai ser curta a ausência.
Seguir o teu amor que a juventude faz irresistível e mais importante que tudo.
Depois, quando tanta coisa é diferente e estranha, na hora que chega sempre quase logo, o momento da saudade, vem o chamar da raiz, que na realidade levas contigo sempre,onde quer que os teus passos leves e felizes ou pesados e tristes te façam chegar.

E aí, no momento e no lugar de chegada, sou eu que estou. Ou não sou?

Quem sabe…     

Maria  do  Carmo Lereno - O Porto/Portugal

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Emigrar é difícil. É um saco esse negócio de começar tudo de novo. Não que eu tenha problemas com aprender coisas novas, recomeçar, me reinventar. Até porque a vida é assim mesmo. Mas emigrar é doído. Perdemos todas as certezas, toda referência. Por exemplo, não tenho mais... esqueci a palavra. Nossa, esqueci uma palavra importante do meu texto. Do meu texto em português! O português costumava ser minha língua e na qual eu costumava ser mais que fluente e escrevia tão bem e corretamente! Isto é doído. A minha mãe é fera no português, sabe gramática e escreve poemas. Mãe também é referência. Deve ser por isto que o Caetano diz "minha pátria é minha língua". E minha pátria agora qual é? Falo português, inglês, holandês e enrolo no espanhol. Até entendo um pouco de francês e alemão. A minha pátria não é mais a minha língua. Não vou cair no clichê de dizer que é o mundo. Eu sou do mundo, que coisa mais estranha. Eu sou da cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, no Brasil. Eu quero ter uma pátria, eu sinto saudades das certezas, da gramática e do estilo...

Elaine Pettersen Morais - Belo Horizonte/Brasil

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Emigrar é: deixar, ou achar que deixou suas raízes. Também criar outras que vão te dando muito prazer, porque você se identifica, saboreia, sorri, chora de felicidade. E decide por vários motivos que ali vai ser o seu lugar, embora volta e meia, paire a dúvida se a escolha foi certa ou não...Naqueles momentos de vontade de estar no lugar onde você cresceu, principalmente quando vai ficando tudo cinza por aqui.
E o tempo passa tão depressa...
Que então o mais saudável é pensar em tentar tirar o que há de melhor de tudo isso. 
Dos momentos passados com os amigos, dos silêncios, das diferentes belezas, de sorrir para tirar a cara sisuda das pessoas, e principalmente de que somos diferentes. E que todos deveríamos ter essa experiência, que particularmente acho uma deliciosa e arriscada loucura!!

Cissa Fonseca - São Paulo/Brasil

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Emigrar é uma grande viagem, que às vezes é de ida e volta e às vezes apenas de ida. Emigrar é deixar para trás raízes que já estão brotando para recomeçar uma nova vida em um país desconhecido e mergulhar em uma grande aventura. É passar por períodos de adaptações em várias fases dessa viagem. Emigrar é valorizar novos aspectos, reconhecer diferentes formas de culturas e sobretudo, respeitar e aceitar. Emigrar é conhecer e explorar pontos positivos e negativos e se adaptar abrangendo horizontes. Emigrar é enriquecedor mas pode também, trazer dor, a dor da saudade, da família, dos amigos ou até do calor. Emigrar é perder, ganhar e integrar. Emigrar é se apaixonar e não querer/ poder mais voltar.

Leila Galheiro - Goiânia/Brasil

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Emigrar é partir, 
Emigrar é ficar, mas... 
Emigrar também é Olhar, Absorver, Sentir, Gostar e Amar! 
Emigrar Sou Eu, 
Emigrar És Tu, 
Emigrar Somos Nós.... 
Emigrar é como a lua, 
Umas vezes crescente, 
Outras minguante, cheia e nova. 
Não sei o que é Emigrar, 
Sei sim, o que é sair e pousar num outro espaço, 
Numa outra realidade, num outro Ser. 
E (re) transformar-me. 
Saio, fico, vou e venho. 

Será que E M I G R A R é tudo isso??!! 

Aninhas - Évora/Portugal

*A foto da cronista Júlia Abreu de Souza é do fotógrafo Marlio da Silva. As outras fotos que ilustram o texto foram extraídas da internet.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Red Light Secrets - Museum of Prostituition


Secrets of the Neighborhood  
por Júlia Abreu de Souza e Margô Dalla
 fotos Margô Dalla

Amsterdã é uma cidade com particularidades únicas; ao mesmo tempo e em algumas circunstâncias, “acende uma vela pra Deus e outra para o diabo” (um ditado português que quer dizer: deve-se precaver dos dois lados, do bem e do mal). Uma irreverência que chega a ser engraçada: no muro da “Oude Kerk” a igreja mais antiga de Amsterdã, há uma placa com a inscrição “Quartier Putain”. É em pleno Red Light District de Amsterdã, bairro boêmio no centro da cidade, que abriga  um dos museus mais excêntricos do mundo. 

Final da primavera da Holanda. O dia está lindo e o Red Light District muito animado. São três da tarde: turistas, moradores, ciclistas e curiosos andam prá lá e prá cá, com mapas em telefones, olhando, procurando, tentando assimilar o que acontece naquele local. Perdidas, diante de tanta movimentação, finalmente damos de cara com  uma casa típica do bairro, estreita, de três andares, com o nome em vermelho. 


 

Na bilheteria, uma simpática recepcionista com uma maquilagem extravagante nos recebe. 

Após a primeira cortina, uma sala de projeção pequena com um filme mostra o cotidiano do bairro:

 

Glória compra uma nova luz vermelha fosforescente para seu quarto, crianças entram nos locais e brincam com os animais de estimação, logo após o expediente, ela namora; antes de começar o batente, se prepara, vai à manicure, arruma o cabelo, compra uma lingerie nova, faz os serviços de lavanderia, umas pessoas entregam papel sanitário, outras, refeições rápidas.


Horários de trabalho, e alguns dados (aproximados) curiosos:
- cerca de 900 prostitutas trabalham diariamente no bairro.
- o bairro tem cerca de 290 prostitutas de vitrine
- cada uma paga cerca de €150 por dia de aluguel pelo quarto onde trabalha.
- em geral, uma visita dura menos de 10 minutos
- há uma rua onde só homens transgênicos trabalham.

A partir do século XV a prostituição se concentra no bairro, nas tabernas freqüentadas por marinheiros. Amsterdã cresce rapidamente. Depois que os espanhóis conquistam a Antuérpia, muitos judeus ricos fogem para Amsterdã e o dinheiro é usado para financiar viagens para as Índias que resultam em grande sucesso comercial. O porto de Amsterdã e a cidade chegam a se confundir, tão grande é a conexão.

Naquela época o exercício da profissão não era proibido, mas, por outro lado, procurar uma prostituta era (a eterna ambivalência holandesa entre a tolerância e a interdição).
A legislação mudou várias vezes e a profissão foi plena e oficialmente legalizada em 2000. A ideia do museu, subsidiado pela instituição Geisha e pelo município, é contribuir para que a prostituição seja encarada como um ofício como qualquer. A rigor, as prostitutas têm que se registrar como tal e pagar impostos. De fato, Geisha zela pelos direitos laborais das profissionais do sexo, pretender ensinar o público a respeitar a profissão (por ex. não tirando fotos na    rua), e visa à criação de um sindicato. Entretanto, na prática a teoria é sempre outra. A ilegalidade continua. 


Outra questão presente e constante na profissão é o tráfico humano. Inúmeros relatórios internacionais e depoimentos de pessoas que conseguem escapar do cerco delatam, desde o aliciamento, ao confisco de passaportes e a introdução de drogas entre as mulheres recém chegadas de várias partes do mundo. E ainda há os chamados “loverboys”, termo usado na Holanda e na Bélgica para um cafetão jovem e sedutor que  manipula garotas (em geral, menores e emocionalmente frágeis), utilizando-as como prostitutas ou como correio de drogas.

Com a entrada de novos países da Europa de Leste para a UE em 2004, o número de trabalhadores de sexo oriundos da região aumentou. Ao que parece, 60 por cento das prostitutas do bairro da luz vermelha vêm do leste europeu trazidas pela pobreza, desemprego e falta de perspectivas futuras. Vêm para a Holanda na crença de que podem ganhar muito dinheiro e depois, voltar. Não contam com a exploração, coerção e violência atrás das janelas.

Em uma sala do Museu, objetos de fetiche: exemplos de parafilias (tipos de comportamento sexual) como celas com correntes, uma espécie de balanço com uma cadeirinha couro, etc e tal.


Estrutura imensa em X  para prender, algemas, chicotes, correntes e outros objetos de fetiche.


Fotos e histórias de prostitutas emolduram as paredes e quartos ambientados com camas, penteadeiras e objetos de uso que compõem um cenário de fantasia com mistura de realidade. Como se ainda houvesse alguém morando naquele espaço acanhado.


Aqui, você está dentro da casa, em frente a uma imensa janela, senta em um banquinho, as pessoas passam lá fora. 


Segundo o depoimento de um funcionário do Ministério da Justiça, uma grande parte da prostituição voluntária é praticada por pessoas (homens e mulheres) que sofreram abuso sexual em criança. 

Um altarzinho com uma velinha acesa e várias fotos de mulheres que foram assassinadas.


“O quarto de trabalho” cama com urso de pelúcia, colcha de metalassê, banheira jacuzzi, ambiente meio escuro e de gosto duvidoso.


Em outras paredes, fotos de pessoas do show business, que se envolveram com prostitutas: Hugh Grant, Ben Afflek, Tiger Woods, Charlie Sheen e Jack Nicholson.  



 Em outro espaço, bilhetes e recados das mulheres…

“Some men want me because they want a girl from Holland. That’s quite sad isn’t it?”
“This job is not for faint hearted. I have become much harder and street wise.”
“I can have sex which all men, but I will never kiss one of them.” 


Caixinhas incrustadas na parede com objetos esquecidos: relógios, chaves, gravatas e, até uma dentadura! 

Alguns textos com histórias de algumas prostitutas.

Pessoas que visitam o Museu fazem confissões e revelam segredos escondidos em um confessionário. Os mais “originais” estão escritos na parede: I’d love to have sex in a train coupé!


Na última sala, uma coleção de lingeries fashion. A designer brinca com a gente, põe uma venda e pede para você sentir os materiais de fetiche, a textura, tamanho…


O Museu da Prostituição é, definitivamente, um lugar de confronto com essa realidade. Faz a gente pensar. Porém, o escopo do museu é básico e simples, está longe de esgotar o assunto. Uns dados apontam entre 20.000 e 30.000 o número de pessoas na Holanda que trabalham em tempo integral na prostituição, porém, estatísticas totalmente confiáveis e exatas a respeito, não há. O estigma e a natureza oculta da prostituição e do tráfico, dificultam o conhecimento exato da sua extensão.

O museu também tem um centro de informação educativa aberto para colegiais.

Maiores informações:
http://www.redlightsecrets.com/

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Harrie Lemmens - "Traduzir é inventar o que já está lá!"


 por Júlia Abreu de Souza e Margô Dalla
Fotos Margô Dalla

Em uma tarde chuvosa da primavera holandesa, estacionei minha bicicleta em frente a um antigo café de Amsterdã. Fui me encontrar com a cronista Júlia Abreu de Souza para fazermos uma entrevista com o escritor e tradutor holandês Harry Lemmens.
Lemmens acaba de lançar o livro “God is een Braziliaan - Deus é brasileiro” editado pela Atheneum-Pollack& van Gennep. A crítica holandesa tem feito resenhas positivas sobre a publicação. O escritor é casado com a portuguesa Ana Carvalho - tradutora e fotógrafa.  O livro é ilustrado com suas fotos e narra a  visita, em três viagens – de 2007 a 2011 a oito cidades brasileiras: Salvador, Ilhéus, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife. 
No livro, Harry Lemmens entrevista  jornalistas, escritores, políticos, conversa com vendedores, catadores, taxistas, donas de casa e muitos mais. Festeja o aniversário de João Ubaldo em Itaparica, passa o Natal com Luis Fernando Veríssimo e Moacyr Scliar.
O escritor é simpático e amável. Fala um português de Portugal e narra, com entusiasmo, como funciona seu processo como tradutor. Como tudo acontece!

Nós gostaríamos que explicasse essa sua frase “Traduzir é inventar o que já está lá”

Muitas pessoas acham que traduzir é fácil, que funciona como se fosse substituir a palavra escrita de uma língua para outra, mas não é bem assim. As palavras não funcionam como tal e elas quase nunca correspondem a outra palavra em um idioma diferente. Existem vários aspectos; o que eu quero dizer é que só em  casos excepcionais, uma palavra corresponde exatamente a outra-, então isso tem que ser resolvido. Não se trata de só encontrar a palavra certa.

Traduzir é trair?

Não, isto é brincadeira italiana e significa que o livro sempre perde com a tradução.

Ou ganha

Não, o livro sempre perde. Talvez isso seja verdade para quem domina completamente as línguas que estão em questão, mas não há quase ninguém que faça isso!
Muitas pessoas dizem que  preferem ler livros na língua original porque não gostam de traduções. Certa vez, li um artigo de um jornalista holandês que vive em NY que fala e lê em inglês, mas mesmo assim, lhe escapava alguma coisa da leitura original; então, eu sei, tenho experiência, e como holandês perco mais lendo um livro em inglês do que quando leio a tradução. 
Mesmo quando alguém domina o idioma, sempre surgem palavras desconhecidas e é preciso consultar o dicionário. Quanto mais rico o romance, mais importante é tentar entender a relação com a língua traduzida. Gostaria de citar um exemplo - muitas pessoas acham difícil traduzir o escritor português Antonio Lobo Antunes-, mas não acho nada difícil porque sei como entrar nos livros dele; então estou lá dentro e é fácil!

Mas isso é intuitivo? Como você consegue “entrar” na cabeça do escritor. Como é que isso se dá?

Eu peço a chave para abrir a porta da cabeça (rs) - isso é um dito do escritor mexicano Octavio Paz que também é tradutor. Temos que ler com os ouvidos. O ritmo das palavras e das frases é muito importante, ajuda quando temos bons livros para traduzir; mas há alguns que não ajudam em nada, só bloqueiam; mas é claro que dá para traduzir. Naturalmente, é muito mais agradável quando o livro tem melodia e ritmo. É preciso analisar porque os escritores brincam com as palavras, com o significado delas. É como um quebra-cabeça.

Como é o seu processo quando começa a traduzir um livro? Você lê antes, faz várias versões até chegar até a última? Como é sua rotina?

Prefiro não ler o livro antes de começar a traduzi-lo. Dizem que é preciso ler o livro três vezes antes de começar, fazer anotações e depois fazer três versões, , mas eu faço logo direto. Leio, ao mesmo tempo escrevo e traduzo. É um processo só, um tanto complicado, mas acontece assim.

Você lê em voz alta?

Veja, quando eu estou traduzindo às vezes leio em voz alta, mas não literalmente. A voz alta acontece dentro da cabeça. Pronuncio tudo dentro da cabeça, porque quando a gente lê, geralmente não pronuncia nada. São os olhos que passam.

Você falou sobre o ritmo das frases, das leituras…

Gostaria de citar dois escritores. Um, é o Daniel Galera que também é tradutor. Ele fala de tudo, de detalhes, como por exemplo, dos objetos dentro do carro, do conteúdo de uma mala,..tudinho. O leitor precisa de tempo para ler. É como abrir uma janela lentamente, ver uma paisagem e começar a descrevê-la. Isso funciona perfeitamente porque o leitor está absorvido na narrativa deste fato e tudo começa a acontecer. Já o Michel Laub, fecha a janela e faz um diário, que é o que existe de mais íntimo, com frases curtas. Para ele o mais importante não  é a quantidade de palavras, mas a gramática. É uma experiência espantosa. São duas maneiras de escrever completamente diferentes. Quem domina tudo é o escritor. Ele é o chefe e eu posso dizer também que um tradutor está preso, mas condenado a ser livre. Ele tem que se afastar do escrito original para encontrar a linguagem certa em uma outra língua.
Existem casos do autor não gostar da tradução?

Isso pode acontecer, até já aconteceu. Milan Kundera, por exemplo, ficou assustado quando se mudou para a França e leu seu livro. Ele era um escritor de frases curtas e não gostava de florear nada e viu seu livro cheio de detalhes. Às vezes, o escritor tem razão.

Vamos falar sobre o livro agora.

Foram três viagens a oito cidades. Em 2007 foi a primeira. Não existia projeto nenhum, mas eu e a Ana queríamos visitar o João Ubaldo em Itaparica e outros amigos em Salvador e Ilhéus. Caminhamos muito pelas cidades e eu ia anotando coisas e fatos. Foi fantástico! Pensava em fazer algum dia, qualquer coisa com esses escritos, mas isso é difícil quando não é feito imediatamente. Em 2010, traduzi um livro famoso do século 17 que é “A  Arte de Furtar” . Um clássico! Há pessoas que dizem que foi escrito pelo Padre Antonio Vieira, mas outras dizem que não. Há várias hipóteses. São espécies de crônicas com todos os tipos de vigarices existentes. Um livro divertido. Eu escrevi um posfácio. A editora gostou e perguntou se eu tinha outros textos. Enviei alguns ensaios, entrevistas e crônicas. Mais tarde, me pediram que escrevesse um livro. Tinha várias idéias para romances e outras coisas e então me lembrei da viagem de 2007 e achei que podia servir como base, como ponto de partida. Resolvi fazer mais viagens, visitar outras cidades e falar com escritores. Seria um livro sobre literatura, e o título original era, a esta altura, “ O Brasil em três viagens e três escritores”. Estivemos na casa de Luis Fernando Veríssimo, foi muito bom,  e depois de das viagens, me dei conta de que o tema já estava lá. Não seria um livro só de escritores, mas sim de coisas que eu estava vendo e vivendo. Ana fazia fotografias  e essas fotos ajudaram porque várias cenas eu descobri a partir dessas imagens, como a maneira das pessoas de andar, agir e falar. Na foto abaixo Harrie com representante da Athenaeum Library de Amsterdã.
Você acha que nós brasileiros somos muito diferentes dos holandeses, dos portugueses….

Sim! Só que aqui sempre esperam o lado exótico do brasileiro.  O brasileiro tem que ser exótico. Recentemente, vi um programa de um estrangeiro na Praia de Copacabana com um chapéu igual ao de Carmen Miranda. Não gosto destes estereótipos, dessas caricaturas. Quando se pensa em Brasil, se pensa em carnaval, futebol…acho que em vez de tentar descobrir as diferenças, seria interessante revelar os pontos em comum. Essas diferenças são boas. Se não, a vida fica muito limitada.  Os holandeses acham que moram em um país ideal e que tudo é perfeito; têm curiosidade em saber como as pessoas são e como vivem em outros países para poder comparar.

Os brasileiros são otimistas, alegres, vivem um dia de cada vez, quase não fazem planos para o futuro…se bem que isso tem mudado.Como você vê isso?

Quem não tem futuro, tem que criar o hoje, o agora. Tenho lido alguns artigos que dizem que o povo brasileiro é o mais feliz do mundo. Quando perguntam o que vai acontecer daqui a cinco anos, o brasileiro responde que tudo estará muito melhor; mas atualmente, tenho observado um certo pessimismo por parte dos brasileiros. O fato é que existe um desprezo de algumas classes por outras classes e um desleixo dos políticos pelas questões básicas.
Aproveitando o texto da Júlia que diz sobre o seu olhar arguto e amoroso. Eu gostei disso e gostaria de saber se esse sentimento se instalou através dos livros que traduziu?

Posso usar uma imagem para descrever isso. Sempre nos avisaram da falta de segurança no Brasil, mas só uma vez, em Porto Alegre, que sentimos alguma ameaça. Mas nada aconteceu. Existe uma atitude aberta dos brasileiros. Eles têm sempre alguma história para contar. Isso é muito bonito. 

Sua viagem começou em Salvador e terminou no Recife. Isso tem um motivo?

Sim! Tem um grande motivo que é a Holanda que começa em 1624 quando os holandeses ocuparam Salvador. Descrevo esta situação com  palavras do Padre Antonio Vieira. Começo a escrever a cena como se aproximam os navios holandeses na Baia do Todos os Santos e ao mesmo tempo há uma discussão com o secretário da Cia das Índias que descreve a mesma cena a partir do barco. 

Nas escolas brasileiras, líamos um sermão do Padre Antonio Vieira alertando para a entrada dos bárbaros bátavos em Salvador, e do terror e aflição que isso causava entre os fíéis. Essa história é importante para os brasileiros, mas aqui na Holanda, poucos a conhecem.

Saíram muitos livros aqui na Holanda sobre a época, mas as pessoas não têm nenhuma ligação com a história. Não sabem nada e nem querem saber. Eles dão mais ênfase à história da Cia das índias Orientais-, da colonização da Indonésia. Mas eu fiz isso, eu quis mostrar a história para a Holanda. Então, o meu livro começa com Piet Hein, o notório almirante holandês rumando para Salvador.
Outro motivo é que ouvi muito as pessoas falando “Ai quem me dera se os holandeses não tivessem sido expulsos pelos portugueses. Daí eu digo: olhe o que aconteceu no Suriname, na Indonésia…
Eu escrevi um livro que dá prazer em ler. Sinto, através de comentários e críticas que as pessoas estão gostando muito.
A tradução do livro para o português. Qual é o plano?

Estamos já procurando editores, mas não posso adiantar nada.

E quem seria o tradutor?

Eu não sei…tem que ser um brasileiro!

Talvez sua mulher Ana Carvalho…

Eu não sei se a Ana quer traduzi-lo. Ainda não falamos disso, já aprendi que coisas com livros tem que ter paciência. Tem que entrar numa coisa concreta. Agora é imaginar como seria e como será;  quando começar a ser concreto, aí, podemos sonhar de outra maneira, mas espero que seja em breve. Creio que o livro será interessante para os leitores brasileiros. 

E o título “God is een Braziliaan?

Veríssimo escreveu isso e a editora quis usar, mas acho que quando ele for traduzido para o português, não se deve usar este título. Inicialmente, eu tinha uma outra  idéia que era que era Rua Erê (uma rua de Belo Horizonte) e a Ana tem uma  fotografia e queria usá-la na capa. Pensei em colocar a placa da rua e depois escrever no estilo grafite “Viva o Brasil” e o meu nome. Como se fosse um muro grafitado.


Você se divide entre escritores do Brasil e Portugal?

Atualmente não é assim. Tem a ver com o que surge. No momento, estou interessado na obra do Padre Antonio Vieira que será traduzido em várias línguas e eu vou colaborar..

Depois não sei o que vem por aí! Nunca sei!

Júlia Abreu fala sobre o livro:


Deus é brasileiro -  Harrie Lemmens-  fotografias Ana Carvalho
Sou do Rio de Janeiro, uma das cidades visitadas por Harrie Lemmens, em seu livro “Deus é brasileiro”, recém editado pela  Atheneum-Pollack& van Gennep.    
Leio seu livro com voracidade, viajando no mesmo compasso e com o mesmo entusiasmo do autor em sua passagem por oito cidades brasileiras.
O relato vai de descrições de lugares, paisagens, arquitetura, encontros com jornalistas, escritores, artistas, políticos, guias, curadores de museu, donas de casa, vendedores de rua, motoristas, catadores de papéis à citações e informações de cunho  histórico. Não se trata de um livro para quem busca informação básica e rápida sobre o Brasil, tampouco é um livro de turismo, mas para aqueles que desejam conhecê-lo melhor, através dos olhos e espírito de observação do renomado tradutor da língua portuguesa. Com frases curtas, o seu estilo acompanha o dinamismo das capitais que visita, variando de tema, cenário e vivências. A narrativa passa de fatos históricos, para o dia-dia tumultuado de uma metrópole como São Paulo, aos calçadões folclóricos do Rio, dando ritmo e vitalidade aos fatos. Por vezes, há um excesso de informação e detalhes sobre igrejas, prédios, personagens, instituições. A meticulosidade do autor, em seu afã em tudo retratar, pode atordoar o leitor. 
O crescimento da economia brasileira nos últimos dez anos incorporou cerca de 35 milhões de brasileiros para o mercado consumidor, provocando muitas mudanças, em todos os sentidos. Harrie Lemmens vai mais além de apontar as questões que a imprensa fora do Brasil há anos repete, para consternação geral dos brasileiros em sempre ver o país tão complexo ser enquadrado em meros estereótipos. Porque o Brasil não se deixa explicar facilmente. 
Harrie não tem iluões:“Não, a história (dos países) não é bonita. Nunca. Em lugar nenhum. A história é um relato de violência.” 
Ele percebe contrastes, a beleza e a decadência, a pobreza e a riqueza, a amabilidade, e a violência, o jogo de cintura e a intolerância, dentro de um todo, da imensidão, da enorme diversidade, e do contexto histórico em que tudo isso foi produzido e realizado.
O olhar estrangeiro – arguto e amoroso (porém, a paixão de Harrie pelo Brasil não lhe cega) traz reconhecimento, e, ao mesmo tempo, estranhamento: É estranho, alguém de fora falar tão extensivamente e profusamente de coisas agregadas, incorporadas e fixadas na retina de alguém nascido, criado e educado no berço do “Brasil brasileiro”. O olhar estrangeiro de Harrie é uma leitura de confronto e reencontro. 
Sobre Harrie Lemmens
Harrie estudou Filosofia e Língua Holandesa, morou e trabalhou em Berlim Oriental, Lisboa, Bruxelas, Almere, traduziu para o holandês prosa e poesia do alemão, inglês, espanhol, e principalmente, português – Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Saramago, Agualusa, Mia Couto, Antonio Lobo Antunes, Gonçalo Tavares, Machado de Assis, João Ubaldo Ribeiro ( Viva o povo brasileiro), Autran Douado, Mário Sabino, e recentemente os gaúchos Michel Laub e Daniel Galera. Além disso tudo, escreve ensaios, críticas. Desde 1988 traduz do português (até Paulo Coelho, traduziu  O alquimista).

Em 2006 ganhou o prêmio de tradução da Fundação Holandesa de Letras. 

*Esta entrevista foi publicada no Jornal Rascunho - http://rascunho.gazetadopovo.com.br/traduzir-e-inventar-o-que-ja-esta-la/

*Reações importantes sobre a entrevista:

Zuca Sardan: entrevista magnífica !!!

Daniel Galera: muito bacana.

Michel Laub: muito boa, parabéns.

Luciana Villas-Boas escreveu: Linda, linda entrevista

E o Agualusa: a tua entrevista ficou muito boa - parabéns!

E essas do facebook

Milena Moretta Monteiro Parabéns ás duas pela bela entrevista.
11 de setembro às 16:55 

Arlete Urbano Velu Achei a entrevista muito boa!
11 de setembro às 18:31 

Marian Schoenmakers Gostei da entrevista. Parabéns! Estou lendo o livro 'God is een Braziliaan' e vale mesmo a pena!

Heliete Ramos Muito interessante!


Mila Vidal Paletti Está muito bem feita a entrevista! Gostei. Parabéns Júlia, Margot. 
   
                                                                                                                     Nilza Maria Leal Silva Adorei a entrevista! E sobretudo uma hora em que ele fala que "Quem não tem futuro, tem que criar o hoje, o agora". Isso foi brilhante! Sempre ouvimos (e repetimos) que o brasileiro ignora seu passado, sua história. "não respeitamos as tradições " já é um bordão... Mas a visão dele, de não termos um futuro garantido, essa é perfeita, muda o jogo todo!
11 de setembro às 14:20 

Marian Guimarães Tambem concordo Nilza. Excelente entrevista..