quinta-feira, 7 de maio de 2015

Bahia, mon amour!

By Ana-Cristina Palacky

Para aqueles/as que tiveram o privilégio e a graça de terem nascido na Bahia!

Bahia  melosa,   amarga,  agridoce, I love you.
Laranjas suculentas de Cruz das Almas, laranja  de umbigo, laranja-cravo, laranja-lima, laranja-Bahia. O vapor de Cachoeira que há muito deixou de navegar. 
O Paraguaçu morrendo a cada verão. 
Os burrinhos carregando  carvão e  água,  subindo/descendo as ladeiras, de minha infância, em Catú.

Araçás  vermelhos e brancos ,  groselhas,  carambolas,  romãs amores,  pitangas encarnadas,  genipapos,  jaboticabas violetas,  fruta do conde, jaca mole, jaca dura, sapotis, manga rosa, Carlota,  espada e a coleção de bananas – maçã, da terra, da prata, d’água, de São Tomé, nanica. 
Feira de Água de Meninos, nas sexta-feiras, paraíso visual. Trançados das cestas, peneiras, abanadores e bocapius de palha de Cipó, dos tempos das caldas e de lugar de lua- de-mel. Cerâmica vermelha e preta, vaquinhas,  boizinhos, terrinas  de Maragogipinho. Farinha, das mais finas e tapioca  de Nazaré das Farinhas,  pintura  nativa de Didito -  arte de Coqueiros de Nagé.
Areias coloridas das margens da cachoeira de Lençóis, das lagoas do Chapadão, das trilhas verdejantes do Capão, e  do casario de Rio de Contas.
A catinga sêca de  Uauá , o Raso da Catarina, terra rachada, de cactos, umbús, cajás, tamarindos, mangabas e ingás,  por onde passaram  Lampião e  Maria Bonita ,  evocações  futurísticas do Conselheiro.
Rapaduras e  doce  de  buriti de Jacobina.  Tabletes de doce de leite e  compoteiras  de dulcíssima ambrosia. Remanso e Casa Nova dos penitentes ensaguentados  e mal–assombrados no martírio anual da Paixão.
Ilhéus, e a  saga do cacau,  de Gabriela,  cravo, canela, pimenta e cuminho.  Cidade rica que virou pobre.
São João no Recôncavo, fogueiras, fogos, canjicas, munguzás, bolos de puba, milho  e de aipim, pés de moleque, quebra-queixo, cocadinhas ,  quindins,  pamonhas, cuscuz  e licor de maracujá. Fogueiras no largo de Cruz das Almas e  rodopios caipiras ao som do baião.
Flores brancas de manacá. Acácias  rosadas anunciando o verão, lilases do jacarandá. Buquês de rosa-menina para adornar o mais bonito altar da doce Maria.
Reisados de Muritiba. Proscisssões  ibéricas e chorosas do  Encontro e da Paixão, dos padroeiros e padroeiras com mimosos anjinhos em rosa e azul. Novenas de rezas de terço, cantadas e esperadas,  entre as chuvinhas e os aguaçeiros de maio.
Salvador e seus feitiços, Pelourinho e suas artes, de pinturas a capoeira, dos blocos de folia, da benção do Olodum, de ladeiras, becos,  calçadões. De bahianas vestidas de branco em extinção, por desuso ou conversão.
Saudades do luar em Busca Vida, das serestas em Abaeté,clara e escura,onde se trocavam chamegos e  afeições.
Avenida Sete, hoje, camelôs e  animação.  Avenida Sete, você  tem lugar cativo no meu coração.
Restaurante Granada, onde se fazia o melhor cozido da praça, onde o couve, o repolho, a abóbora, a cenoura, o maxixe, a banana da terra, o chuchu e  o quiabo  se confundiam e se abraçavam em gostos e cores na companhia  de  gorduroso pirão.
Os acarajés, abarás,  vatapás,  efós, galinhade xinxim, carurú  de preceito e pedidos a  Cosme, Damião e Doú.
Rua Direita de Santo Antonio, onde passavam em diária procissão, leiteiros, verdureiros, sorveteiros, taboqueiros, baleiros, padeiros, aguadeiros. Rua das janeleiras e da Festa do Espírito Santo. O  bonde passava e espiava o primeiro amor, alto, magro, desengoçado, que se chamava Chicão.
Bahia mestiça,  erudita, metida e artística. De caboclos, pardos, pretos, mulatos, morenos.  Indígena, afro, portuguesa, pintada e matizada. Bahia de todas as cores, que se somaram, multiplicaram,  dividiram e daí  nasceu o bahiano. Da gema e  da clara do ovo.
Bahiano,  impulsivo, assanhado,  violento, crente e descrente,  dançarino,  escritor, orador, poeta e  cantor. Matreiro, festeiro, cabreiro.
Castro Alves,   sonhador,   escreveu em  versos a diáspora  que começou na África , atravessou o Atlântico e terminou na Bahia,  dos  gritos dos porões dos navios negreiros, das  senzalas e da imensa dor da escravidão. Bahia de   tabús,  santos, deuses, deusas, rituais. De crenças únicas e plurais,  sagradas e profanas, de  igrejas e  terreiros que sempre  batem às sextas-feiras.
Bahia injusta com o seu povo, aquele  que se esconde nos morros, nas palafitas aterradas, dos  pipocas do carnaval,  dos sem teto, dos sem terra, dos diferentes, dos esquecidos, dos dissidentes, dos amedrontados, dos maltrapilhos.
Na Bahia desigual,  vi a mais azul das luas azuis,  a  sedução da dança sacro-erótica dos terreiros de candomblé,  os atabaques do Olodum,  o Culto dos Eguns,   cheio de mistério e proibições, o  trio elétrico de Osmar e  Dodó tocando e  a galera cantando e dançando,  o sol laranja-dourado  do Porto da Barra, os torsos tostados mais sensuais do  planeta  e  a doçura morena dos  gestos amorosos.



*Ana-Cristina Palacky, nasceu  em Cruz das Almas e estudou em Salvador ( Bahia), gosta de arte, prosa, poesia e viajar pelo mundo. Burocrata. Atualmente vive em Viena. 
*Fotos Margô Dalla

Copyright 2015, Ana-Cristina Palacky




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