sexta-feira, 1 de novembro de 2013

"Adoramos o caos porque sentimos amor em produzir ordem." M.C. Escher


QUEM VAI AO VENTO...

Fomos, voltamos e aqui estamos, registrando impressões, histórias de gente, lugares e de coisas que valem a pena conhecer, postar e partilhar. 
Quem está no "assento" é Maurits Cornelis Escher (1898-1972), o genial artista gráfico holandês. Lembram-se de que a exposição da sua obra realizada em 2011 em três cidades do Brasil, Rio, São Paulo e Brasília, chegou a ter um milhão de visitantes? Pudera. Com seus padrões entrecruzados, ele criou representações insólitas e espetaculares ilusões de ótica. Seus paradoxos geométricos, os peixes, pássaros, répteis, escadas retorcidas, foram copiados e recriados por vários artistas. 
Abaixo foto Maurits Cornelis Escher.
Um deles foi Matt Groening, o criador dos Simpsons.  O filme A Origem (Inception) também utilizou a ideia. E ao que parece até a abertura da novela brasileira Top Model foi inspirada na obra Relativity, mostrando escadas em um mesmo lugar sob diversos ângulos.

Das duas visitas feitas pelo artista ao Alhambra em Granada, surgiu nova inspiração A arte islâmica, com a repetição de padrões nos mosaicos e muros, a representação do infinito, tema pouco conhecido da sua obra, é o foco da exposição no Museu dos Trópicos em Amsterdã: Escher meets Islamic Art. A poetisa Mila Vidal Paletti esteve lá e logo a seguir, descreveu de maneira sucinta e delicada, suas impressões sobre o incomum método de trabalho do artista. É sempre uma coisa criando a outra. 

A exposição está noTropenmuseum até o dia 05.01.2014. 


Informações sobre a mostra de Escher no Tropenmuseu, neste link.


Se eu fosse o Escher

"Se eu fosse o Escher
pegava na régua e no compasso
e dimensionava um lagarto!
E entrecruzava a figura de peixe com pássaro
que o peixe não deixa nadar nem voar o pássaro.
Ah! se eu fosse o Escher
entrava em metamorfose!
Subia e descia o universo com rotação e medida
E não ficava tonta com tão louca escadaria.
Mas quem sou eu?
Não nasci para a geometria
nem uso barba pontiaguda."

Mila Vidal Paletti é natural de Lisboa/Portugal.

 
“ Vivo e trabalho em Amesterdã  há tantos anos que já esqueci. 
Sou professora  e tradutora de Português. 
Também me dedico ao vício de escrevinhar. Tenho escrito e publicado alguma poesia.”


Assistam aos vídeos:
O videoclipe da música Laughing with, da cantora e compositora russo-americana, Regina Spektor.

Video M.C. Escher - "Penrose Steps" (From "Inception" Movie).



Fotos Escher: arquivo página do artista no facebook.
Foto Mila Vidal Paletti arquivo.


quinta-feira, 1 de novembro de 2012


Saudadinha

cobra que vai
cobra que volta
cobra que roda
em reviravolta



rasteja não cansa
enrolada mansa 
cabeça para cá
cauda lá deixou
à boca da selva
se arrasta e detém
cobra como ela
não se vê ninguém
não entra nem sai
saudade não tem?

pois troca de pele
outra cor inventa
seu corpo se ajeita
que força a impele?

cobra que vai
cobra que volta
cobra que roda
em reviravolta

desliza e sibila
ao tom da folhagem 
serpente ela foi
noutra linguagem

agora é flautista
tem outro sonido
largou seu veneno
para tocar ao mês
e na rotina sopra
pela enésima vez

cobra que vai
cobra que volta
cobra que roda
em reviravolta
© Mila Vidal Paletti    Agosto 2004

*Mila Vidal Paletti é uma amiga portuguesa muito interessante e inteligente. Mora também em Amsterdã.


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

As folhas das árvores caem em Amsterdã e as ruas ficam de um dourado esverdeado. É final de outubro e a gente publica no "Quem vai ao Vento..." um texto de Vilma Machado. 


"Vejo a vida com os olhos da alma, sinto a vida a flor da pele, vivo a vida tentando entender a razão do mundo que de razão nada vejo, nada sinto nem prevejo...." Vilma Machado.



Roga-se aos céus

Roga-se aos céus paz
pois ela se perdeu
não na realidade do que se promete
e sim na vida que não se tem
Roga-se aos céus
Roga-se aos céus uma pausa
pois impera a agonia
na realidade daquele que a vida percebeu

Roga-se aos céus uma chance
para quem ainda não percebeu
que a vida não para
e que o tempo
não espera ninguém

Roga-se aos céus o perdão
para si mesmo
pois não existe castigo
e nesta vida tudo é um começar

Roga-se aos céus uma prece
para esta dor consolar
prepara a alma para a vida
e para nela se entregar

© vilma machado


*Vilma Machado é uma artista brasileira e mora na Holanda. 
A foto que ilustra o poema é também da autora.

Visite:
http://ourmessagetotheworld.wordpress.com
http://vilmamachado.wordpress.com/
http://vilmamachado.tumblr.com/
http://flickriver.com/photos/vilmamachado/popular-interesting/

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Chico e suas mulheres no bondinho de Amsterdã

Júlia Abreu de Souza

No bonde, duas garotas brasileiras muito jovens, de vozes moduladas e sotaques sulistas, isto é, de articulação clara, érres nítidos e caprichados, comentam a obra de Chico, uma terra ainda incógnita para elas.
-Você sabia que isso era dele? diz a moça da esquerda, e entoa  baixinho:  
Procurando bem
Todo mundo tem...
 Sala sem mobília
... Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Só a bailarina que não tem -– a outra faz o refrão.
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem

– A Adriana Calcanhoto tem voz de criança!  

- Só a bailarina que não tem- entoam as duas rindo.

-Futucando bem...estou pensando no mestrado sobre as mulheres dele. Foi minha mãe que deu a ideia. Mas, cara, como é que a gente transmite o Chico em holandêsComo vou dizer, sem ficar brega: eu vou rasgar meu coração pra costurar o teu?

Ela tira um bloquinho da bolsa e lê algumas anotações:

O olhar de uma mulher faz pouco até de Deus
Mas não engana uma outra mulher

-As mulheres são muito diversas: medrosas, duras, românticas, e valentes como as de Atenas. Temos  Ritas, Angélicas, Lígias, Carolinas, Genis, Iracemas. Donas de casa, prostitutas, mulheres  fatais, mulheres- meninas, estamos todas nas suas letras, uma por uma. Já reparou que muitos temas são: perda,saudade, fuga, traição  ... tem uma,  bem engraçada, a história de um cara que larga tudo e vai para o Tocantins, lá ele nota que o chefe dos Paritintins está de olho na sua calça lee, fica aflito, liga para a mulher, daí vem um japonês atrás dele...
Ela parece estar relatando o ocorrido com um amigo íntimo.

Depois, tem outra, bastante trágica, de um homem que passa a vida  ralando feito louco para depois morrer na contramão atrapalhando o tráfego. Ganhou um prêmio do sindicato. Acho que também foi do período de ditadura. Tem tanta música da época! Dizem que “Angélica”, uma mulher que perde seu filho, foi feita para a estilista Zuzu Angel, o filho dela morreu na ditadura.
Continua a ler:

Em “Joana, a francesa”, ele mistura o francês com o português e as palavras têm sentido nas duas línguas: acorda, acorda, acorda soa como d’accord, de acordo.


- É demais... demais, repete a amiga, com admiração.

- E o que você me diz da Ana de Amsterdã? Da cama, da cana, sacana, fulana.
Li que ele usa a assonância, uma figura de imagem, repetindo os fonemas. Ah, ainda tem a “Barbara”, a mulher do Calabar aquele considerado traidor porque passou para o lado dos holandeses. Na minha tese, esta também entra para ficar. E a Iracema, tão delicada e nostálgica? Ela queria estudar canto lírico lá fora, mas acaba na faxina. Iracema voou para a América... vê um filme de quando em vez, não domina o idioma inglês, lava chão numa casa de chá...  Me lembra das brasileiras aqui. É muita mulher, muita
letra! suspira.

Quieta, no banco de trás, sou toda ouvidos, não ouso interromper esta intimista turnê pelo universo do poeta. No bondinho que percorre ruas e canais desta cidade chuvosa do norte europeu, desfilam em carne e osso, à minha frente, todos os personagens de Chico. Uma viagem e tanto à terra brasilis.
Chegando à Estação Central, descemos as três, meditativas e contentes. O sol pode até ter pedido aposentadoria prévia no reino (des)encantado dos Países Baixos, mas pela parte que me toca, o meu dia já está ganho.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Troca o Trópico!


Em uma tarde fria de Amsterdã, parei minha bicicleta em frente ao De Jaren Café  para um encontro e entrevista com a cineasta brasileira Natália Machiaveli que lançou o filme "Troca o Trópico" no Nederlands Film Festival, realizado no cinema Rialto em Amsterdã.

A inspiração do nome do filme

"A inspiração do nome do filme veio da música da cena final que é o Maracatu,  cujo nome é "Maracatu do Imigrante"  de minha autoria. Fiquei com essa idéia, mas como o filme iria ser lançado aqui na Holanda, achei complicado traduzir a palavra Maracatu, iria parecer dança do imigrante e eu não queria isso porque queria mostrar a cultura miscigenada do Brasil, a cultura dos escravos africanos, dos indígenas. Então, misturamos tudo e fizemos uma coisa brasileira. A idéia era essa: o imigrante vem e constrói uma outra coisa. Mas depois de pensar  na letra da música " de longe vem, de longe um dia veio/ gira-mundo, troca o trópico/ qualquer um em algum lado há de ser um estrangeiro", quer dizer, a gente troca o trópico, achei o nome bom, e ficou esse mesmoa tradução para o inglês é: Northwards - a caminho do norte.


O filme

"Eu estava no ano final do Instituto de Arte Rietveld comecei a pensar em um tema; um dia conversando com uma amiga, falei sobre todos os empregos que já tive - todos os lugares pelos quais passei quando cheguei aqui. Falei das inúmeras portas de restaurantes que bati procurando emprego... então pensei: caramba! Isso é interessante! Esse percurso que fiz pode ser um tema do meu próximo trabalho e... comecei a escrever o roteiro! Peguei todos os e-mails que havia enviado. Eu fazia um diário de bordo e mandava para o pessoal do Brasi. Fui lendo o material; no entanto, não achei que tinha o suficiente, precisava de algum outro elemento para embasar o argumento. Falei com alguns amigos, aí iniciei as entrevistas, e entrei de cabeça. Li muitas teses e acabei mudando a idéia original do filme porque percebi que o problema não era bem o que havia imaginado - ia bem mais fundo! Usei a história das mulheres que entrevistei e assim, através das narrativas, do material que tinha, fui moldando a  história. 

Trailer do filme


A gravação

"Levou 9 meses e a escola deu apoio para realizar o filme com o empréstimo de equipamentos de gravação, ilhas de edição etc... mas não tive nenhuma verba para isso e filmei as entrevistas e quando estava em cena, meu namorado fazia a câmera. Ele também estudou artes visuais, é fotógrafo e gravou as minhas cenas em casa e as do Maracatu, com a ajuda de outro artista. Fizemos tudo com uma câmera bem simples HDV, de qualidade inferior, mas era a câmera disponível na faculdade para um projeto mais longo. Tinha que fazer uma escolha. Se pegasse a melhor câmera, não teria disponível a quantidade de horas que precisava para as gravações; então, precisei optar. As ilhas de edição são maravilhosas e eu mesma tive que operar as máquinas. A construção do filme foi realmente na sala de edição. Eu ia fazendo as pesquisas, entrevistas, daí, ficava muito cansada e ia dormir. Duas horas depois acordava, e escrevia o que era necessário fazer no dia seguinte. Então, eu ia escrevendo, ia dormir, escrevia...

O que percebi no seu filme é que ele é muito espontâneo! Ele não é pretensioso. Eu não senti que você queria provar uma teoria!  O que senti foi que você contou a sua história e as histórias de outras pessoas é uma linguagem legal! Foi isso mesmo?

"Isso tudo estava na minha cabeça o tempo todo. Eu sabia que tinha que ser despretensiosa porque este era meu primeiro filme, falando um assunto pessoal, que vivenciei, mas do qual não sou nenhuma "expert". Li e pesquisei bastante e sabia que tinha que escolher uma linguagem fácil para o público  não sentir que era somente um documentário jornalístico."

Após o filme no cinema Rialto, ouvi comentários do tipo: "Ah... eu me identifiquei! Os imigrantes se reconhecem nele e provavelmente, os que não optaram por imigrar, se perguntariam se teriam coragem de fazê-lo um dia, e porquê ou em nome do quê? O que motiva ou levou alguém a tomar esta atitude. 

O filme é autobiográfico e Natália diz que se emprestou para este projeto sem ter medo de expor sua vida privada. 
"Ele é uma homenagem às imigrantes brasileiras, a essa força e coragem que todas, como eu, como você, tiveram de procurar outra vida em outro continente e país. E eu acho que a gente contribui  para esse país ser mais humano e ter uma onda colorida que somos nós. É o que eu quis dizer no "Troca o Trópico" e em nome disso, eu pensei: vou contar também as partes sofridas da minha vida, mas sempre com essa vontade de fazer uma homenagem a outras mulheres e homens que estão aqui."

Financiamento 

"Costumo dizer que o que gastei no filme corresponde à compra dos tapes do filme. Realmente gastei muito pouco. Talvez uns 500 Euros. Já vendi alguns DVDs, mas retorno financeiro não tenho nenhum. Mas não tinha expectativa. Ganhar dinheiro com o primeiro filme, e ainda um curta-metragem, é praticamente impossível. E eu não apresentei nenhum projeto para o financiamento do filme, porque esse jeito orgânico que realizei o curta, não é, digamos assim, a melhor forma de conseguir subsídios; sejam eles de alguma fundação daqui ou mesmo para a embaixada do Brasil. Sem não tiver um projeto pronto com todas as etapas e orçamentos necessários e detalhados, a gente não consegue nenhum financiamento."  

A escolha das pessoas entrevistadas

"Eu não queria colocar o imigrante como vítima e nem contar histórias complicadas como algumas que a gente conhece de pessoas que foram trazidas à força, que tomaram o passaporte etc... claro! são histórias importantes que a gente não pode ignorar, mas para este filme eu precisava de depoimentos de mulheres que estivessem aqui há pelo menos 5 anos, que já passaram por várias fases da imigração, de faixa etária e de regiões diferentes do Brasil, aí fui escolhendo e conversando. Entrevistei 11 mulheres, mas no final somente 6 eu coloquei na edição final porque eu tive problemas técnicos com algumas falas ; e o  resultado está aí! Gostei muito do resultado porque elas contaram histórias diferentes e continuam por aqui lutando e ousando.

A identificação com o público

"A melhor parte, o resultado do meu primeiro curta  foi que as pessoas me agradecem pela homenagem; isto me deixa feliz porque eles entenderam a cumplicidade. A gente divide este sentimento. Dos holandeses, tive um comentário que a pessoa reclamava que pintei a Holanda de cinza, sem graça e sem sentimentos. Ele entendeu que eu estava falando que morar na Holanda é péssimo, e o único motivo pelo qual este país ainda tem alguma coisa de bom, é por causa dos imigrantes. Eu participo desta sociedade, eu moro aqui; quero falar sobre o meu ambiente. Eu posso e quero criticar o que está à minha volta. Esse é o meu ponto de vista. Eu acho que a Holanda tem coisas maravilhosas e é por isso que escolhi estar aqui. Eu posso trabalhar, estudar, e ainda pagar as minhas contas. Eu vim para cá. É isso que quero mostrar! A partir do momento que o imigrante chega, vem com o coração aberto, acreditando que vai dar certo. Você chega com a cara e a coragem e quer muito que dê tudo certo, mas sem saber das dificuldades que terá para se integrar à sociedade. É isso.


A participação em festivais

Natália enviou o filme para alguns festivais na Alemanha, Coréia e para o Brasil, Belo Horizonte. O filme é falado em português, inglês e holandês. 


O documentário tem 22 minutos e você  pode adquiri-lo através do website


Foto - arquivo pessoal da cineasta

Entrevista concedida a Margô Dalla-Schutte

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nostalgia... Saudade Conformada.




Continuamos a falar sobre saudade. 

                                                                      

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As pessoas sempre confundem os sentimentos de nostalgia e saudade, pensam que é a mesma coisa. Não é. Nostalgia dói mais que saudade, mais que bater com a porta nos dedos, mais que cólica de rim. Nostalgia é como o fim do dia: a única saída é se conformar, já foi. Saudade a gente aguenta, inquietamente, e logo a gente cura.
Saudade a gente sente quando entra em um ônibus para ir embora, saudade da pessoa amada que fica, mas sabe que vai voltar a vê-la. Nostalgia é quando após alguns anos, você se lembra desse momento, que às vezes até se repete, mas não é a mesma coisa...
Saudade é quando o ser amado foi embora, mas o amor ainda ficou. Nostalgia é quando o amor também se foi...
Saudade a gente sente quando deixa os pais em casa e vai morar sozinho, em qualquer canto desse mundo. Nostalgia é quando a gente lembra de quando eles jogavam bola ou brincavam de boneca com a gente...
A gente sente saudade da vovó, que mora longe e cada vez que a visitamos ela aparece com um monte de comidas gostosas. Nostalgia é quando já não se tem a vovó, mas ainda sentimos o gostinho das guloseimas que ela fazia...



Saudade a gente tem de um amigo que se mudou para outra cidade ou país. Nostalgia é o que sentimos ao lembrar das brincadeiras de quando éramos crianças, e saber que agora quem brincam são seus filhos...
A gente sente saudade da nossa casa quando viaja e fica um tempo fora. E nostalgia quando a gente lembra de tudo o que viveu ali, na casa agora abandonada...
Saudade a gente pode ter de um brinquedo, de andar de bicicleta. Nostalgia é o que sentimos quando nos lembramos de como era simples e feliz nossa infância...
Temos saudade de sentar na varanda à tarde com nosso avô e ficar jogando conversa fora. E nostalgia quando o avô se vai, anoitece, e esse momento não se repete mais.
Sentimos saudade dos nossos cachorros quando passamos um fim de semana fora. Nostalgia, quando lembramos deles pulando na gente, mas só vemos a casinha que está vazia.
Saudade é um sentimento urgente, nostalgia não tem solução: a gente só se conforma. Saudade é a ausência provisória de alguém, nostalgia é a ausência eterna de um momento.
“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença” – dizia Lispector. Então, nostalgia é quando toda a comida cessou...


* Saudade Conformada é um texto de Karina Perussi.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Neyde Lantyer "A saudade é a nostalgia"!

Este post faz parte de uma série de programas sobre o tema "saudade" produzidos pela Rádio Nederland. Escrito pela jornalista Mariângela Guimarães, o  de hoje, é um depoimento da artista plástica brasileira/baiana, radicada na Holanda, Neyde Lantyer.

Eu acho difícil de realmente dizer o que é saudade, porque não é só a palavra, mas o sentimento. Acho que tem a ver com a coisa da nostalgia mesmo. A saudade é a nostalgia.
Eu acho que me encontro permanentemente em estado de saudade, não somente uma saudade do Brasil, mas uma saudade do passado. Já fico com saudade quando a coisa aconteceu ontem e eu perdi. Eu sou uma pessoa muito nostálgica.
Milan Kundera, por exemplo, no livro ‘Ignorância’, fala que saudade é quando você se distanciou a ponto de não saber o que está acontecendo e também de participar. Você está de fora, você está longe, está à parte, está afastado, então isso te cria um sentimento de desconexão que eu acho que é o que dói. Eu não sinto hoje em dia, uma saudade doída nem uma saudade romântica. Eu sinto muito é por não viver o que está acontecendo no Brasil hoje em dia, por isso eu me identifico com esta definição de Milan Kundera.
Intangibilidade
Acho que a saudade é do que foi, e o que foi você mesmo. A gente sente saudade de alguma coisa que a gente viveu e de alguém que a gente era. E de repente quando a gente se procura a gente não consegue mais tocar, é intangível.
Minha saudade é uma saudade bem sutil, presente o tempo inteiro pelo meu afastamento mesmo, por não estar vivendo no Brasil.
Eu acredito que quando a gente vem é porque já tem uma coisa dentro da gente que é inquieta, uma coisa que quer sair do Brasil ou do seu país, seja ele qual for. Se você não tiver uma razão de guerra, uma razão econômica, uma razão que seja exterior ao seu desejo. Eu sempre fui uma pessoa que gostaria de sair, então já tinha um sentimento de estrangeira na minha própria terra, numa medida mínima, mas a gente pode dizer assim.
Vivendo aqui eu sinto hoje falta do Brasil, muita vontade de voltar para o Brasil. Eu estranho várias coisas, eu questiono, eu reclamo, mas tem outras coisas que eu já incorporei, que eu já adaptei e que eu gosto. Eu não tenho nenhum sentimento negativo pela Holanda, muito pelo contrário. Acho que a Holanda é um país muito especial, um país que eu gosto.
Tem coisas de que eu não vou sentir saudade de maneira nenhuma, entre elas o inverno, mas eu vou sentir saudade, sim, da maneira como você se relaciona com as pessoas aqui.
Minha saudade não é muito passional, ela é mais cotidiana mesmo, e às vezes imperceptível, às vezes intangível. É uma saudade de quem eu fui num determinado momento. Porque não adianta você achar que você vai se manter o mesmo o tempo inteiro, você se mantém numa certa medida, mas em outra medida você não consegue e vem a saudade, que eu diria é uma certa dor.
Recordar é viver
A gente costuma dizer no Brasil que sentir saudade é recordar, é gostoso e tal. É verdade, existe uma saudade romântica. Minha mãe, por exemplo, era uma pessoa muito romântica, e ela dizia ‘ah, eu adoro sentir saudade do passado, lembrar das coisas’, como se houvesse uma beleza, e há, em trazer de volta o sentimento, em lembrar.
Mas eu acho que a diferença na saudade de quem mora longe, de quem vive como imigrante em outro país, é que houve um rompimento, e é como se você já não fizesse parte daquela memória de maneira nenhuma. É como se você estivesse completamente desconectado.
E eu tenho a impressão que esta saudade boa, esta saudade romântica, até alegre, que faz com que as pessoas cantem, nesta saudade você não tem a sensação de que você rompeu completamente e que você está de fora. É uma parte de você que só não está vivendo ali do lado...
* Imagem: ‘Saudade Dress’: Fotocolagem de Neyde Lantyer com referências a Louise Bourgeois e Keith Edmier, sobre uma foto de sua mãe sobreposta com o rosto da artista. 
Fotos - acervo da artista.


Publicado originalmente no site da Radio Nederland - Wereldomrouep Brasil.
http://www.rnw.nl/portugues/article/a-saudade-intangivel-mas-sempre-presente