domingo, 3 de julho de 2011

Imigração holandesa – A travessia

Continuamos a publicar os artigos escritos pela jornalista brasileira Mariângela Guimarães sobre a imigração holandesa. Nesta semana, o tema é "A travessia." 
A travessia
Mariângela Guimarães
“Nós chegamos aqui no começo de 1947, logo após a guerra. Meu pai veio com as vacas e tudo no navio. Fiquei enjoada a viagem inteira, com a minha mãe. Nós duas, de cama. Tinha 4 anos, mas isso eu lembro porque marcou muito. Mandavam a gente comer rookvlees carne salgada - pra não desidratar. Finalmente chegamos no Brasil e fomos para a Ilha das Flores, onde ficamos uma semana de quarentena.
Quem conta esta história é Doutje Dijkstra. Apesar da pouca idade na época, a lembrança da travessia da Holanda para o Brasil ainda é vívida.
A viagem difícil também marcou Annie Bolt, que deixou Hamstede, na província holandesa de Zeeland, em 1950, partindo do porto de Antuérpia, na Bélgica, para o distante e desconhecido Brasil.
“Vim em 1950, com minha família - papai, mamãe e meus irmãos. Uma viagem muito longa, de seis semanas, até Porto alegre, Rio Grande do Sul. O navio era um navio cargueiro e parava em tudo que é porto no litoral do Brasil e a gente sofria muitos enjôos. Ficamos 7 anos morando em Rio Grande, sofrendo. A gente se mudou seis vezes, de uma fazenda pra outra, até chegar em Carambeí.

O
terror da guerra
A dura travessia de navio e as muitas dificuldades dos primeiros anos no Brasil eram enfrentadas com coragem. Para os imigrantes holandeses que chegaram ao Brasil no final dos anos 40, início dos anos 50, ficava para trás o terror da Segunda Guerra Mundial.

“A gente morava perto do aeroporto e costumavam jogar bombas . Estragaram a lavoura, a nossa casa. E papai resolveu emigrar”, lembra Annie Bolt, hoje com 77 anos. “Todos nós achávamos muito errado esta ideia, mas a gente teve que acostumar. A gente não falava português, não gostava da comida. A gente estranhava muito o arroz e feijão. Acho que mamãe não sabia preparar bem, porque feijão e arroz é gostoso, né? Ninguém queria comer. Papai então resolveu fazer uma coisa: ele pegava nosso prato e colocava um feijãozinho pra começar, no dia seguinte dois, e assim foi indo. Dali uns dias mamãe não cozinhou arroz e feijão e todo mundo reclamava. Todos queriam comer arroz e feijão.

Nova
dieta e velhos costumes
A dieta dos imigrantes holandeses com o tempo mudou e se abrasileirou, mas alguns costumes se mantiveram. O cafezinho às 10 da manhã, o café da tarde com bolachinhas ou bolo, e na casa de Annie Bolt, batatas com ‘appelmoes’ (uma espécie de purê de maçã) aos domingos.
A comida é também uma das primeiras lembranças marcantes que Doutje Dijkstra tem do Brasil, ainda do período de quarentena na Ilha das Flores, no Rio de Janeiro.
Ancoradouro e prédio da hospedaria de imigrantes da Ilha das flores.

“Lá nós tínhamos que comer feijão e arroz. O feijão era preto, o prato ficava todo sujo de feijão. Nós, as crianças, a gente gostava, se deliciava. Mas as minhas primas, que tinham 20 e tantos anos, olhavam com cara feia para o prato e diziam: ‘eu queria batatas’.
A outra travessia
Nos primeiros tempos de Brasil, a saudade da Holanda e de tudo o que tinham deixado também era muito presente.
“Não é bem saudades, mas a gente ficava comparando tudo. Na Holanda é assim, aqui é assim. Até hoje não esqueci tudo. A gente pode morar cem anos aqui, mas não esquece o país de origem né?”, comenta Annie.

Depois de de estarem vivendo no Brasil por mais de 30 anos, tanto Annie como Doutje voltaram à Holanda a passeio. Ambas estranharam muito o país:
“Eu fui duas vezes. Uma vez com Jacob (seu marido) e mamãe, e a segunda vez com minha irmã gêmea. Sabe de uma coisa, estranhei bastante. Não sei, são outros costumes, até falam diferente, com mais palavras em inglês”, observa Annie.
“A primeira vez que eu voltei pra Holanda, em 1982, perguntava as coisas para as pessoas em holandês, porque eu falava bem, e eu perguntei a um homem: Este trem vai para Leeuwarden? ‘A senhora não saber ler?’, e o homem foi correndo embora. Então, estas lembranças da Holanda não são muito boas. Eu estranhei a diferença. Porque aqui a gente pergunta e as pessoas são sempre hospitaleiras, dão atenção, sorriem. O povo brasileiro é mais alegre”, diz Doutje. “Eu sempre falo: eu sou brasileira. Nasci e é também. Porque me criei aqui, eu me sinto brasileira.
• Esses artigos foram escritos originalmente para a Rádio Nederland Wereldomroep/Brasil.  Fotos arquivo da Rádio e reproduções Mariângela Guimarães. 

4 comentários:

  1. Sempre me toca o coração as histórias dos imigrantes. Obrigada meninas por compartilhar!
    Adriana de Souza
    (Via email)

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  2. oi julia e margo, parabens pela iniciativa do blog. bastante sucesso. um beijo julia

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  3. As histórias de imigrantes são parecidas. Lembro do papai contando a travessia de seus pais do Líbano para a Argentina.
    Sucesso,
    Simone

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  4. Somos imigrantes russos. Viemos AO BRASIL NA DÉCADA DE 50 E TAMBÉM FICAMOS DE QUARENTENA NA ILHA DAS FLORES. ESTAMOS ESCREVENDO UM LIVRO, CONTANDO SOBRE A IMIGRAÇÃO RUSSA DESSE PERÍODO, E GOSTARIA DE PEDIR PERMISSÃO PARA UTILIZAR A FOTO DA HOSPEDARIA DA ILHA DAS FLORES, DE SEU BLOG, POIS NÃO TEMOS NENHUMA. SERIA POSSÍVEL?
    GRATA
    LUDMILA SAHAROVSKY

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