By Ana-Cristina Palacky
Para aqueles/as que tiveram o privilégio e a graça de terem nascido na Bahia!
Bahia melosa, amarga, agridoce, I love you.
Laranjas suculentas de Cruz das Almas, laranja de umbigo, laranja-cravo, laranja-lima, laranja-Bahia. O vapor de Cachoeira que há muito deixou de navegar.
O Paraguaçu morrendo a cada verão.
Os burrinhos carregando carvão e água, subindo/descendo as ladeiras, de minha infância, em Catú.
Araçás vermelhos e brancos , groselhas, carambolas, romãs amores, pitangas encarnadas, genipapos, jaboticabas violetas, fruta do conde, jaca mole, jaca dura, sapotis, manga rosa, Carlota, espada e a coleção de bananas – maçã, da terra, da prata, d’água, de São Tomé, nanica.
Feira de Água de Meninos, nas sexta-feiras, paraíso visual. Trançados das cestas, peneiras, abanadores e bocapius de palha de Cipó, dos tempos das caldas e de lugar de lua- de-mel. Cerâmica vermelha e preta, vaquinhas, boizinhos, terrinas de Maragogipinho. Farinha, das mais finas e tapioca de Nazaré das Farinhas, pintura nativa de Didito - arte de Coqueiros de Nagé.
Areias coloridas das margens da cachoeira de Lençóis, das lagoas do Chapadão, das trilhas verdejantes do Capão, e do casario de Rio de Contas.
A catinga sêca de Uauá , o Raso da Catarina, terra rachada, de cactos, umbús, cajás, tamarindos, mangabas e ingás, por onde passaram Lampião e Maria Bonita , evocações futurísticas do Conselheiro.
Rapaduras e doce de buriti de Jacobina. Tabletes de doce de leite e compoteiras de dulcíssima ambrosia. Remanso e Casa Nova dos penitentes ensaguentados e mal–assombrados no martírio anual da Paixão.
Ilhéus, e a saga do cacau, de Gabriela, cravo, canela, pimenta e cuminho. Cidade rica que virou pobre.
São João no Recôncavo, fogueiras, fogos, canjicas, munguzás, bolos de puba, milho e de aipim, pés de moleque, quebra-queixo, cocadinhas , quindins, pamonhas, cuscuz e licor de maracujá. Fogueiras no largo de Cruz das Almas e rodopios caipiras ao som do baião.
Flores brancas de manacá. Acácias rosadas anunciando o verão, lilases do jacarandá. Buquês de rosa-menina para adornar o mais bonito altar da doce Maria.
Reisados de Muritiba. Proscisssões ibéricas e chorosas do Encontro e da Paixão, dos padroeiros e padroeiras com mimosos anjinhos em rosa e azul. Novenas de rezas de terço, cantadas e esperadas, entre as chuvinhas e os aguaçeiros de maio.
Salvador e seus feitiços, Pelourinho e suas artes, de pinturas a capoeira, dos blocos de folia, da benção do Olodum, de ladeiras, becos, calçadões. De bahianas vestidas de branco em extinção, por desuso ou conversão.
Saudades do luar em Busca Vida, das serestas em Abaeté,clara e escura,onde se trocavam chamegos e afeições.
Avenida Sete, hoje, camelôs e animação. Avenida Sete, você tem lugar cativo no meu coração.
Restaurante Granada, onde se fazia o melhor cozido da praça, onde o couve, o repolho, a abóbora, a cenoura, o maxixe, a banana da terra, o chuchu e o quiabo se confundiam e se abraçavam em gostos e cores na companhia de gorduroso pirão.
Os acarajés, abarás, vatapás, efós, galinhade xinxim, carurú de preceito e pedidos a Cosme, Damião e Doú.
Rua Direita de Santo Antonio, onde passavam em diária procissão, leiteiros, verdureiros, sorveteiros, taboqueiros, baleiros, padeiros, aguadeiros. Rua das janeleiras e da Festa do Espírito Santo. O bonde passava e espiava o primeiro amor, alto, magro, desengoçado, que se chamava Chicão.
Bahia mestiça, erudita, metida e artística. De caboclos, pardos, pretos, mulatos, morenos. Indígena, afro, portuguesa, pintada e matizada. Bahia de todas as cores, que se somaram, multiplicaram, dividiram e daí nasceu o bahiano. Da gema e da clara do ovo.
Bahiano, impulsivo, assanhado, violento, crente e descrente, dançarino, escritor, orador, poeta e cantor. Matreiro, festeiro, cabreiro.
Castro Alves, sonhador, escreveu em versos a diáspora que começou na África , atravessou o Atlântico e terminou na Bahia, dos gritos dos porões dos navios negreiros, das senzalas e da imensa dor da escravidão. Bahia de tabús, santos, deuses, deusas, rituais. De crenças únicas e plurais, sagradas e profanas, de igrejas e terreiros que sempre batem às sextas-feiras.
Bahia injusta com o seu povo, aquele que se esconde nos morros, nas palafitas aterradas, dos pipocas do carnaval, dos sem teto, dos sem terra, dos diferentes, dos esquecidos, dos dissidentes, dos amedrontados, dos maltrapilhos.
Na Bahia desigual, vi a mais azul das luas azuis, a sedução da dança sacro-erótica dos terreiros de candomblé, os atabaques do Olodum, o Culto dos Eguns, cheio de mistério e proibições, o trio elétrico de Osmar e Dodó tocando e a galera cantando e dançando, o sol laranja-dourado do Porto da Barra, os torsos tostados mais sensuais do planeta e a doçura morena dos gestos amorosos.
*Ana-Cristina Palacky, nasceu em Cruz das Almas e estudou em Salvador ( Bahia), gosta de arte, prosa, poesia e viajar pelo mundo. Burocrata. Atualmente vive em Viena.
*Fotos Margô Dalla
Copyright 2015, Ana-Cristina Palacky
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