terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Troca o Trópico!


Em uma tarde fria de Amsterdã, parei minha bicicleta em frente ao De Jaren Café  para um encontro e entrevista com a cineasta brasileira Natália Machiaveli que lançou o filme "Troca o Trópico" no Nederlands Film Festival, realizado no cinema Rialto em Amsterdã.

A inspiração do nome do filme

"A inspiração do nome do filme veio da música da cena final que é o Maracatu,  cujo nome é "Maracatu do Imigrante"  de minha autoria. Fiquei com essa idéia, mas como o filme iria ser lançado aqui na Holanda, achei complicado traduzir a palavra Maracatu, iria parecer dança do imigrante e eu não queria isso porque queria mostrar a cultura miscigenada do Brasil, a cultura dos escravos africanos, dos indígenas. Então, misturamos tudo e fizemos uma coisa brasileira. A idéia era essa: o imigrante vem e constrói uma outra coisa. Mas depois de pensar  na letra da música " de longe vem, de longe um dia veio/ gira-mundo, troca o trópico/ qualquer um em algum lado há de ser um estrangeiro", quer dizer, a gente troca o trópico, achei o nome bom, e ficou esse mesmoa tradução para o inglês é: Northwards - a caminho do norte.


O filme

"Eu estava no ano final do Instituto de Arte Rietveld comecei a pensar em um tema; um dia conversando com uma amiga, falei sobre todos os empregos que já tive - todos os lugares pelos quais passei quando cheguei aqui. Falei das inúmeras portas de restaurantes que bati procurando emprego... então pensei: caramba! Isso é interessante! Esse percurso que fiz pode ser um tema do meu próximo trabalho e... comecei a escrever o roteiro! Peguei todos os e-mails que havia enviado. Eu fazia um diário de bordo e mandava para o pessoal do Brasi. Fui lendo o material; no entanto, não achei que tinha o suficiente, precisava de algum outro elemento para embasar o argumento. Falei com alguns amigos, aí iniciei as entrevistas, e entrei de cabeça. Li muitas teses e acabei mudando a idéia original do filme porque percebi que o problema não era bem o que havia imaginado - ia bem mais fundo! Usei a história das mulheres que entrevistei e assim, através das narrativas, do material que tinha, fui moldando a  história. 

Trailer do filme


A gravação

"Levou 9 meses e a escola deu apoio para realizar o filme com o empréstimo de equipamentos de gravação, ilhas de edição etc... mas não tive nenhuma verba para isso e filmei as entrevistas e quando estava em cena, meu namorado fazia a câmera. Ele também estudou artes visuais, é fotógrafo e gravou as minhas cenas em casa e as do Maracatu, com a ajuda de outro artista. Fizemos tudo com uma câmera bem simples HDV, de qualidade inferior, mas era a câmera disponível na faculdade para um projeto mais longo. Tinha que fazer uma escolha. Se pegasse a melhor câmera, não teria disponível a quantidade de horas que precisava para as gravações; então, precisei optar. As ilhas de edição são maravilhosas e eu mesma tive que operar as máquinas. A construção do filme foi realmente na sala de edição. Eu ia fazendo as pesquisas, entrevistas, daí, ficava muito cansada e ia dormir. Duas horas depois acordava, e escrevia o que era necessário fazer no dia seguinte. Então, eu ia escrevendo, ia dormir, escrevia...

O que percebi no seu filme é que ele é muito espontâneo! Ele não é pretensioso. Eu não senti que você queria provar uma teoria!  O que senti foi que você contou a sua história e as histórias de outras pessoas é uma linguagem legal! Foi isso mesmo?

"Isso tudo estava na minha cabeça o tempo todo. Eu sabia que tinha que ser despretensiosa porque este era meu primeiro filme, falando um assunto pessoal, que vivenciei, mas do qual não sou nenhuma "expert". Li e pesquisei bastante e sabia que tinha que escolher uma linguagem fácil para o público  não sentir que era somente um documentário jornalístico."

Após o filme no cinema Rialto, ouvi comentários do tipo: "Ah... eu me identifiquei! Os imigrantes se reconhecem nele e provavelmente, os que não optaram por imigrar, se perguntariam se teriam coragem de fazê-lo um dia, e porquê ou em nome do quê? O que motiva ou levou alguém a tomar esta atitude. 

O filme é autobiográfico e Natália diz que se emprestou para este projeto sem ter medo de expor sua vida privada. 
"Ele é uma homenagem às imigrantes brasileiras, a essa força e coragem que todas, como eu, como você, tiveram de procurar outra vida em outro continente e país. E eu acho que a gente contribui  para esse país ser mais humano e ter uma onda colorida que somos nós. É o que eu quis dizer no "Troca o Trópico" e em nome disso, eu pensei: vou contar também as partes sofridas da minha vida, mas sempre com essa vontade de fazer uma homenagem a outras mulheres e homens que estão aqui."

Financiamento 

"Costumo dizer que o que gastei no filme corresponde à compra dos tapes do filme. Realmente gastei muito pouco. Talvez uns 500 Euros. Já vendi alguns DVDs, mas retorno financeiro não tenho nenhum. Mas não tinha expectativa. Ganhar dinheiro com o primeiro filme, e ainda um curta-metragem, é praticamente impossível. E eu não apresentei nenhum projeto para o financiamento do filme, porque esse jeito orgânico que realizei o curta, não é, digamos assim, a melhor forma de conseguir subsídios; sejam eles de alguma fundação daqui ou mesmo para a embaixada do Brasil. Sem não tiver um projeto pronto com todas as etapas e orçamentos necessários e detalhados, a gente não consegue nenhum financiamento."  

A escolha das pessoas entrevistadas

"Eu não queria colocar o imigrante como vítima e nem contar histórias complicadas como algumas que a gente conhece de pessoas que foram trazidas à força, que tomaram o passaporte etc... claro! são histórias importantes que a gente não pode ignorar, mas para este filme eu precisava de depoimentos de mulheres que estivessem aqui há pelo menos 5 anos, que já passaram por várias fases da imigração, de faixa etária e de regiões diferentes do Brasil, aí fui escolhendo e conversando. Entrevistei 11 mulheres, mas no final somente 6 eu coloquei na edição final porque eu tive problemas técnicos com algumas falas ; e o  resultado está aí! Gostei muito do resultado porque elas contaram histórias diferentes e continuam por aqui lutando e ousando.

A identificação com o público

"A melhor parte, o resultado do meu primeiro curta  foi que as pessoas me agradecem pela homenagem; isto me deixa feliz porque eles entenderam a cumplicidade. A gente divide este sentimento. Dos holandeses, tive um comentário que a pessoa reclamava que pintei a Holanda de cinza, sem graça e sem sentimentos. Ele entendeu que eu estava falando que morar na Holanda é péssimo, e o único motivo pelo qual este país ainda tem alguma coisa de bom, é por causa dos imigrantes. Eu participo desta sociedade, eu moro aqui; quero falar sobre o meu ambiente. Eu posso e quero criticar o que está à minha volta. Esse é o meu ponto de vista. Eu acho que a Holanda tem coisas maravilhosas e é por isso que escolhi estar aqui. Eu posso trabalhar, estudar, e ainda pagar as minhas contas. Eu vim para cá. É isso que quero mostrar! A partir do momento que o imigrante chega, vem com o coração aberto, acreditando que vai dar certo. Você chega com a cara e a coragem e quer muito que dê tudo certo, mas sem saber das dificuldades que terá para se integrar à sociedade. É isso.


A participação em festivais

Natália enviou o filme para alguns festivais na Alemanha, Coréia e para o Brasil, Belo Horizonte. O filme é falado em português, inglês e holandês. 


O documentário tem 22 minutos e você  pode adquiri-lo através do website


Foto - arquivo pessoal da cineasta

Entrevista concedida a Margô Dalla-Schutte

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nostalgia... Saudade Conformada.




Continuamos a falar sobre saudade. 

                                                                      

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As pessoas sempre confundem os sentimentos de nostalgia e saudade, pensam que é a mesma coisa. Não é. Nostalgia dói mais que saudade, mais que bater com a porta nos dedos, mais que cólica de rim. Nostalgia é como o fim do dia: a única saída é se conformar, já foi. Saudade a gente aguenta, inquietamente, e logo a gente cura.
Saudade a gente sente quando entra em um ônibus para ir embora, saudade da pessoa amada que fica, mas sabe que vai voltar a vê-la. Nostalgia é quando após alguns anos, você se lembra desse momento, que às vezes até se repete, mas não é a mesma coisa...
Saudade é quando o ser amado foi embora, mas o amor ainda ficou. Nostalgia é quando o amor também se foi...
Saudade a gente sente quando deixa os pais em casa e vai morar sozinho, em qualquer canto desse mundo. Nostalgia é quando a gente lembra de quando eles jogavam bola ou brincavam de boneca com a gente...
A gente sente saudade da vovó, que mora longe e cada vez que a visitamos ela aparece com um monte de comidas gostosas. Nostalgia é quando já não se tem a vovó, mas ainda sentimos o gostinho das guloseimas que ela fazia...



Saudade a gente tem de um amigo que se mudou para outra cidade ou país. Nostalgia é o que sentimos ao lembrar das brincadeiras de quando éramos crianças, e saber que agora quem brincam são seus filhos...
A gente sente saudade da nossa casa quando viaja e fica um tempo fora. E nostalgia quando a gente lembra de tudo o que viveu ali, na casa agora abandonada...
Saudade a gente pode ter de um brinquedo, de andar de bicicleta. Nostalgia é o que sentimos quando nos lembramos de como era simples e feliz nossa infância...
Temos saudade de sentar na varanda à tarde com nosso avô e ficar jogando conversa fora. E nostalgia quando o avô se vai, anoitece, e esse momento não se repete mais.
Sentimos saudade dos nossos cachorros quando passamos um fim de semana fora. Nostalgia, quando lembramos deles pulando na gente, mas só vemos a casinha que está vazia.
Saudade é um sentimento urgente, nostalgia não tem solução: a gente só se conforma. Saudade é a ausência provisória de alguém, nostalgia é a ausência eterna de um momento.
“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença” – dizia Lispector. Então, nostalgia é quando toda a comida cessou...


* Saudade Conformada é um texto de Karina Perussi.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Neyde Lantyer "A saudade é a nostalgia"!

Este post faz parte de uma série de programas sobre o tema "saudade" produzidos pela Rádio Nederland. Escrito pela jornalista Mariângela Guimarães, o  de hoje, é um depoimento da artista plástica brasileira/baiana, radicada na Holanda, Neyde Lantyer.

Eu acho difícil de realmente dizer o que é saudade, porque não é só a palavra, mas o sentimento. Acho que tem a ver com a coisa da nostalgia mesmo. A saudade é a nostalgia.
Eu acho que me encontro permanentemente em estado de saudade, não somente uma saudade do Brasil, mas uma saudade do passado. Já fico com saudade quando a coisa aconteceu ontem e eu perdi. Eu sou uma pessoa muito nostálgica.
Milan Kundera, por exemplo, no livro ‘Ignorância’, fala que saudade é quando você se distanciou a ponto de não saber o que está acontecendo e também de participar. Você está de fora, você está longe, está à parte, está afastado, então isso te cria um sentimento de desconexão que eu acho que é o que dói. Eu não sinto hoje em dia, uma saudade doída nem uma saudade romântica. Eu sinto muito é por não viver o que está acontecendo no Brasil hoje em dia, por isso eu me identifico com esta definição de Milan Kundera.
Intangibilidade
Acho que a saudade é do que foi, e o que foi você mesmo. A gente sente saudade de alguma coisa que a gente viveu e de alguém que a gente era. E de repente quando a gente se procura a gente não consegue mais tocar, é intangível.
Minha saudade é uma saudade bem sutil, presente o tempo inteiro pelo meu afastamento mesmo, por não estar vivendo no Brasil.
Eu acredito que quando a gente vem é porque já tem uma coisa dentro da gente que é inquieta, uma coisa que quer sair do Brasil ou do seu país, seja ele qual for. Se você não tiver uma razão de guerra, uma razão econômica, uma razão que seja exterior ao seu desejo. Eu sempre fui uma pessoa que gostaria de sair, então já tinha um sentimento de estrangeira na minha própria terra, numa medida mínima, mas a gente pode dizer assim.
Vivendo aqui eu sinto hoje falta do Brasil, muita vontade de voltar para o Brasil. Eu estranho várias coisas, eu questiono, eu reclamo, mas tem outras coisas que eu já incorporei, que eu já adaptei e que eu gosto. Eu não tenho nenhum sentimento negativo pela Holanda, muito pelo contrário. Acho que a Holanda é um país muito especial, um país que eu gosto.
Tem coisas de que eu não vou sentir saudade de maneira nenhuma, entre elas o inverno, mas eu vou sentir saudade, sim, da maneira como você se relaciona com as pessoas aqui.
Minha saudade não é muito passional, ela é mais cotidiana mesmo, e às vezes imperceptível, às vezes intangível. É uma saudade de quem eu fui num determinado momento. Porque não adianta você achar que você vai se manter o mesmo o tempo inteiro, você se mantém numa certa medida, mas em outra medida você não consegue e vem a saudade, que eu diria é uma certa dor.
Recordar é viver
A gente costuma dizer no Brasil que sentir saudade é recordar, é gostoso e tal. É verdade, existe uma saudade romântica. Minha mãe, por exemplo, era uma pessoa muito romântica, e ela dizia ‘ah, eu adoro sentir saudade do passado, lembrar das coisas’, como se houvesse uma beleza, e há, em trazer de volta o sentimento, em lembrar.
Mas eu acho que a diferença na saudade de quem mora longe, de quem vive como imigrante em outro país, é que houve um rompimento, e é como se você já não fizesse parte daquela memória de maneira nenhuma. É como se você estivesse completamente desconectado.
E eu tenho a impressão que esta saudade boa, esta saudade romântica, até alegre, que faz com que as pessoas cantem, nesta saudade você não tem a sensação de que você rompeu completamente e que você está de fora. É uma parte de você que só não está vivendo ali do lado...
* Imagem: ‘Saudade Dress’: Fotocolagem de Neyde Lantyer com referências a Louise Bourgeois e Keith Edmier, sobre uma foto de sua mãe sobreposta com o rosto da artista. 
Fotos - acervo da artista.


Publicado originalmente no site da Radio Nederland - Wereldomrouep Brasil.
http://www.rnw.nl/portugues/article/a-saudade-intangivel-mas-sempre-presente

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O seu coração pode ter várias cores e bandeiras!


Ai de saudade que dá....

O que será que acontece quando você nasce em um lugar, passa vinte e nove anos da sua vida e depois vai viver em outro, com  tudo, absolutamente tudo, diferente?

Bem, vou dividir com vocês minha experiência pessoal sobre o assunto.
Morei na Holanda  durante dez anos, casei, descasei, fui mãe, aprendi holandês, francês e a andar de bicicleta.
Sim, quando cheguei à Holanda não sabia andar de bicicleta. Fiz o curso para aprender a andar e lá recebemos também orientações sobre o tráfego. Ou seja, fui morar em um país que é conhecido por ser um dos países oficiais da bicicleta, sem saber andar... Era pra desistir não é mesmo?
Poderia listar um milhão de aspectos da vida na Holanda que não curtia e muitas vezes, ainda me escuto reclamando sobre isso quando eu ainda estava morando lá. Cito três:
-O idioma, que soava como um filme  alemão em preto e branco, sem legendas;
-O clima, ah meu Deus do céu, minha mãe não acreditava quando eu dizia que estava chovendo há uma semana sem parar e
-Os alimentos, que tem um sabor diferente, claro, não tem sol o ano inteiro.
Mas então o porquê da saudade? Como eu posso ter voltado a viver no país que nasci e me sentir completamente um peixe fora da água?
Faz quase um ano que eu e meu filho voltamos a morar no Brasil e todo este tempo estas reflexões ocupam a minha mente.
Sei que é parte da natureza humana a insatisfação, estamos sempre procurando mais... a grama do vizinho é sempre mais verde!
Na verdade,  eu me considero uma pessoa que teve o privilégio de vivenciar duas culturas opostas, não há céu aqui na terra.
Minha saudade da Holanda, vem exatamente do que muitos não sentem quando estão lá. Liberdade!  
Sim, pasmem, critiquem, não me importo! A Holanda, mesmo com todos os códigos e a dureza das palavras de algumas pessoas, é um país onde tive uma liberdade que nunca senti no Brasil.
Pobres, milionários, gente de classe média, todos podem andar com a sua bike e fazer compras tanto na rua mais chique de Amsterdã, quanto no mercado das pulgas local.
A maioria respeita os sinais de trânsito, os pedestres tem prioridades e nos ônibus, bondes (trams), nos trens, as crianças são respeitadas.

Se alguém não gosta de você, deixa isso bem claro na sua cara, sem rodeios ou falsidade. Vamos anotar quando vamos nos ver? Sim, qual o problema de se usar uma agenda?
Todos os mitos que se formam sobre as culturas, caíram por terra quando entendi  como a coisa funciona; mas para isso, precisei passar pelos processos de tomar distância e olhar para a vida que eu tinha na Holanda com uma perspectiva diferente.
Eu precisava sentir o vento soprando em outra direção para poder valorizar a simplicidade da vida que construí na Holanda; hoje sei que isso me completa e me faz ser quem eu sou.
Adotei sim, a Holanda como o país que me acolheu como imigrante. Isto não é fácil, nem para os principiantes, nem para os preguiçosos. É minha segunda pátria e neste momento da minha vida, o lugar que escolho para viver. Sim, eu e meu filho vamos voltar a morar na Holanda.

Me dou conta de que nossa  vinda para o Brasil foi um ato de brasilidade também, já que  meu filho tem o DNA Brasileiro. Ele é um privilegiado, pois aos oito anos de idade já fala três idiomas fluentemente.
Ele está assimilando a cultura brasileira e tudo o que o Brasil tem de bom e ruim para oferecer, entendendo as diferenças. Tenho a certeza, que ele não será mais um brasileiro que possui o passaporte, sem nunca ter vivido no Brasil ou, como às vezes acontece, sem falar português. E  ele não será um holandês, deslumbrado e entorpecido pelo Carnaval.

Finalizando, o que acredito ser o mais importante para aqueles que escolhem ter duas pátrias e sempre se confrontam com o dilema de onde viver é: não julgue, mas aprenda!

E como diz Caetano Veloso, [cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é]; portanto sabe o que é melhor para você. 

O seu coração pode ter várias cores e bandeiras.

Rosemeire Lourdes Pinto
São Paulo, 29 de julho de 2011


Fotos Margô Dalla e internet


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Imigração Holandesa – Língua de lá e de cá

Dando sequência aos artigos sobre Imigração Holandesa escritos pela jornalista brasileira Mariângela Guimarães, apresentamos nesta semana  "Língua de e de cá." Textos publicados originalmente na Rádio Nederland - Wereldomroep Brasil. Foto reprodução Mariângela Guimarães.

Língua de lá e de cá
por Mariângela Guimarães

Cem anos de imigração holandesa e, passado tanto tempo, a língua corrente entre imigrantes e descendentes em Carambeí, no Paraná, ainda é o holandês. Até os anos 60, praticamente não se ouvia outra língua por ali. E mesmo hoje, os mais novos preferem falar português.
Jacob Vriesman, de 86 anos, filho de um dos primeiros pioneiros, nasceu no Brasil, mas aprendeu o português quando teve que servir o exército. “Na escola se falava um pouco de ‘brasileiro’, mas em casa todos falavam holandês. Aprendi a falar brasileiro no quartel. Na escola, nós tínhamos das 8 às 10 aulas em brasileiro, e das 10 ao meio-dia em holandês, então a gente misturava. E a professora brasileira era alemã, então eu falava mais holandês que brasileiro."
Seu Jacob lembra, inclusive, que muitas vezes eram os brasileiros que moravam na região que acabavam aprendendo holandês. “Alguns tinham empregados que falavam holandês. Os brasileiros é que aprenderam a falar holandês nas chácaras.
Palavrinhas
Annie Bolt, sua esposa, nasceu na Holanda e até hoje procura ensinar um pouco da língua materna para os netos e bisnetos: “Algumas palavrinhas eles entendem em holandês. Desde pequenininhos eu falo com eles assim. E eles aprendem rápido. Quando chegamos ao Brasil, meu irmãozinho, Joãozinho, em dois meses conversava com os amiguinhos em português. A gente não entendia nada, mas ele sim.
Doutje Dijkstra, que emigrou para o Brasil aos 4 anos de idade, não guardou nem mesmo o sotaque, embora até hoje fale holandês em família. Mas nos primeiros tempos, também teve alguma dificuldade com o idioma. “Na escola, na aula, tínhamos que falar o português, mas entre nós era o holandês. A professora sempre chamava a atenção, mas era muito difícil pra gente, porque o holandês era a língua falada.

Quem é mais brasileiro?
O professor Hendrik Sijpkes, conhecido por todos em Carambeí como ‘meester’ palavra que significa mestre em holandês -, também se lembra que quando chegou ao Brasil, todos falavam holandês na região. “Eram holandeses. Mesmo os brasileiros falavam holandês aqui, em 1961. Mas em dez anos mudou completamente de holandês para português.
Sijpkes sempre falou holandês com seus filhos, para que aprendessem o idioma de seu país natal, mas na escola, fazia questão de ser visto como brasileiro: “Eu brigava sempre com os alunos que diziam ‘holandês’. Eu dizia ‘meu rapazinho, você tem dez anos. Eu estou 40 anos no Brasil. Quem é mais brasileiro, eu ou você?’”

Comunidade
fechada
Carlos Verschoor, que é da terceira geração de holandeses em Carambeí, conta que também aprendeu o português quando foi para a escola. “Até os meus cinco anos eu não sabia falar português. Nós morávamos aqui na colônia e tudo era em holandês. Você ia para o culto, era em holandês, para a escola dominical, era tudo em holandês. Aí, por motivo de trabalho do meu pai, fomos morar em Ponta Grossa, e foi uma grande dificuldade pra nós no começo, porque era tudo diferente. Aqui a gente vivia numa comunidade fechada, tínhamos uma cultura rígida, uma cultura bem evangélica, e fomos estudar numa escola de freiras, então víamos coisas que nunca tínhamos visto antes.
Com a mudança da família, a língua holandesa também ficou para trás. “Não falávamos mais holandês em casa justamente porque morávamos em Ponta Grossa. Todos os nossos amigos, a escola, tudo era em Ponta Grossa, então era em português. Enquanto nossos primos que moravam em Carambeí ainda falavam holandês.

Exigência
Willemke Struiving, conhecida pelo apelido de Panoka, aprendeu o holandês na marra, por exigência do pai. “Nós somos uma família de oito, com o pai e a mãe dez. E antigamente, quando a gente almoçava junto, meu pai dizia ‘Hollandse praten of hou je mond’. Era uma exigência dele falar o holandês. Todo mundo ficava quieto, mas todos nós sabemos falar holandês.
E embora também quisesse passar a língua para seus filhos, hoje com 19 e 18 anos, Panoka não conseguiu ser tão rígida como seu pai. “A língua, infelizmente nós não conseguimos passar. Tanto Gijs, meu marido, como eu falamos holandês, mas nós começávamos a falar holandês com eles e terminávamos com o português. Infelizmente eles não sabem falar holandês. entendem quando nós falamos mal deles”, brinca. “Aí eles captam alguma coisa.
A língua em transformação
Com o tempo, o holandês falado em Carambeí foi se transformando e ganhando influência em português. com isso, surgiram novas palavras e expressões. Alguns exemplos:
Português
caminhão
palanque
Ponta Grossa
banhado
carroça
oficina
portão
gravar
tocar o gado
telefonar
silagem
praia
clubinho
puxa vida
lutar
namorar
relogio
estudar
caboclo
cadeia
empobrecer
embreagem
polia
cerca
eles
ônibus
jogar
Carambeiano
caminjon
palanck
Ponte Gross
banhade
kaross
oficine
perton
graveren
koeie tokke
telefoneren
silage
praie
kluppie
poetje vide
loeteren
namoreren
relogie
studeren
kaboekel
kadee
verkaboekelen
embriagi
pulie
sirk
heulie
ónibus
gooien



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